Lorde Acton, historiador britânico do século 19, certa vez disse: “O poder tende a corromper; o poder absoluto corrompe absolutamente (…)”. Essa assertiva é oportuna para refletir sobre alguns desvios da imprensa brasileira. Note-se que a imprensa é uma espécie de poder, quando imaginada como fiscal de outros poderes, por exemplo legislativo, executivo e judiciário. Nesta condição, necessariamente ela tem de ter limites, senão pode se corromper. Mas como estabelecer limites à imprensa sem ser censura?
Esse dilema não é particular da imprensa brasileira. Por quase todos os países do mundo a imprensa tem conquistado espaço, sendo que ora é reconhecida, ora é reprimida. No geral, seu avanço equivale ao desenvolvimento de um dado Estado ou sociedade. Isso por que imprensa livre é sinônimo de liberdade e democracia. O oposto, de repressão e autoritarismo. Dessa forma, limites arbitrários à imprensa são classificados como censura, algo que é próprio de sociedades atrasadas e autoritárias.
Numa análise superficial, cogitar limites à imprensa se confunde com censura. Por outro lado, quando se observa o setor da comunicação brasileiro, constata-se que, em muitos casos, as notícias originadas dele se tornaram moeda de troca entre aqueles que disputam os poderes. Com efeito, fatos escusos operados nos bastidores dos variados ramos dos poderes públicos ou privados não são levados ao conhecimento coletivo com o fim de informar, mas são barganhados por editorialistas, articulistas e jornalistas com o propósito de concentrar poder. Nestas circunstâncias, o estabelecimento de limites à imprensa não seria censura, mas justiça.
É necessário aclarar de qual imprensa está se falando, porquanto no Brasil por mais que haja inúmeros meios de comunicação, o domínio do setor está nas mãos de poucos. A imprensa aqui abordada é aquela instrumentalizada pelos grandes grupos de mídia, que de maneira oligopolista controlam a informação, o entretenimento, a propaganda. Esse tipo de mídia geralmente atua em sintonia com os detentores de poderes econômicos, políticos, sociais, culturais; assim, conjugadamente eles têm condições de influenciar comportamentos e mentalidades de parcela expressiva da população.
Regulação da comunicação
No Brasil, após duas décadas de ditadura, a imprensa despontou como uma das principais ferramentas da sociedade civil para a construção da democracia. No entanto, muito da liberdade necessária para o exercício da imprensa tem se mesclado com valores dos poucos que controlam os meios de comunicação. Ora, sem regras claras, não são os interesses públicos que prevalecem, mas os daqueles que estão na dianteira do mercado de notícias. Por isso, o então ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, certa vez declarou: “A falta de normas só serve ao mais forte, a quem tem o poder, a quem tem o dinheiro (…)”.
Mesmo assim, propostas de regulamentação das mídias têm sido rechaçadas pelos donos da comunicação como sendo meramente medidas de cerceamento à liberdade de imprensa. Com efeito, o Brasil da era democrática, não dispõe de um marco regulatório do setor de comunicação, isto é, de um conjunto de legislações e agências capazes de orientar publicamente o exercício da liberdade (e do poder) de imprensa. Outros países, como os Estados Unidos, têm estabelecidos regulações para esse setor sem perderem de vista o norte democrático.
Nesse cenário, o que tem ocorrido com frequência é a ocupação da imprensa brasileira para defesas ideológicas e ortodoxas de alguns poucos iluminados. É fato. Em alguns dos principais meios de comunicação, em vez de informação se difundem ímpetos dos que à frente do poder de imprensa. Esses agem religiosamente advogando por seus interesses ou daqueles que os financiam como isso fosse pauta coletiva. Pior. Esses também sufocam mídias alternativas e pontos de vistas distintos.
A imprensa é poder, logo ela tem ter limites. Isso não é censura. É regulação. Sob os holofotes da democracia é necessário analisar se o poder da imprensa brasileira está servindo para tornar mais livre a pluralidade de pensamentos humanos. Caso contrário, é por que está se corrompendo absolutamente. Destarte, discutir uma regulação do setor de comunicação poderia ser caminho para efetiva democratização da imprensa brasileira.
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Alexandre Pereira da Rocha é cientista político e doutor em Ciências Sociais