Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Informação, a munição do conflito

O ministro do Interior de Gaza aconselha seus simpatizantes num vídeo do YouTube a, quando falarem sobre os mortos, sempre acrescentarem “um cidadão inocente”. Em Israel, a mensagem é bem diferente: Essas mesmas vítimas são descritas como “escudos humanos” sacrificadas pelos “terroristas” “sem coração” do Hamas que governam Gaza.

Recentemente, milhares de usuários de telefonia móvel de Israel receberam a seguinte mensagem: “Nós os forçamos a se esconderem em abrigos como ratos”. Vídeos e desenhos animados satíricos israelenses mostram desde um discurso político árabe com uma cabra babando, até cabeças de personagens do Angry Birds em corpos de combatentes palestinos. E tanto o Hamas como o Exército de Israel estão propagando videoclipes similares de explosão de edifícios com trilhas sonoras trovejantes que evocam os thrillers de Hollywood.

“A hora da vingança chegou”, adverte um vídeo do Hamas em hebraico. Já um israelense, fazendo gozação do sotaque dos palestinos, diz: “Balestina, ouçam, esta é uma mensagem para Gaza, estamos matando Gaza”.

A guerra terrestre entre Israel e Hamas intensificou-se novamente domingo, com muito mais civis e soldados morrendo. Mas isso é apenas um dos campos de batalha. O outro – o choque de narrativas, a luta pela opinião pública nacional e internacional – é visto por ambos os lados como uma guerra a longo prazo, e talvez seja até mais duradoura.

Propagandas de guerra são recorrentes nos campos de batalha. Mas analistas dizem que o mais recente conflito entre Israel e a Faixa de Gaza trouxe um novo nível de desumanização, a linguagem de ódio, discussões e ameaças incendiárias, com as mídias sociais transmitindo uma explosão de vozes, uma enxurrada de informações não confiáveis. O sequestro e o assassinato de três adolescentes que ajudaram a definir o cenário para a mais recente escalada de ódio também mostram uma espécie de vingança pessoal de um conflito antigo, com ambos os lados acrescentando combustível, alimentando a zombaria, disseram analistas.

No Twitter, palestinos mais visíveis

Etgar Keret, um escritor israelense, disse que se incomodou com alguns termos empregados por jornalistas, políticos e até amigos em Tel Aviv. Em vez de usar a palavra “civis”, crianças e mulheres mortas são chamadas, às vezes, de “não envolvidos”.

– Há algo sobre esse “não envolvidos”, algo passivo – critica. – Você admite que não é alguém que está tentando destruí-lo, mas não dá outra identificação. Não era uma criança que queria aprender a tocar piano, era apenas alguém que não atirou em nós.

Para William Youmans, professor de Mídia e Relações Públicas na Universidade George Washington, nos Estados Unidos, e especializado no Oriente Médio, ambos os lados são organizados e ativos, embora a hashtag #GazaUnderAttack tenha sido utilizada em quase quatro milhões de posts no Twitter, em comparação com 170 mil em #IsraelUnderFire, de acordo com Topsy, um mecanismo de pesquisa de mídia social.

A simpatia pelos palestinos é maior, mas segundo Youmans, Israel tem uma campanha mais coerente, profissional e que é alimentada pelas instituições. Hoje, há 40 pessoas trabalhando na unidade interativa do Exército de Israel, incluindo cinegrafistas, animadores, artistas gráficos e programadores de computador, bombardeando mensagens em seis línguas, em várias plataformas de comunicação e num tom muito mais certeiro do que a versão típica de notícia. “Israel usa o Domo de Ferro para proteger seus civis”, disse o Exército israelense no Twitter no fim de semana. “O Hamas usa civis para proteger seus foguetes.” Segundo Hassan Jabareen, diretor de Adalah, um centro jurídico dos direitos árabes em Israel, antigamente, quando as pessoas diziam coisas racistas, muitos funcionários denunciavam.

– Desta vez há um silêncio.

Segundo ele, chamados a “matar todos os árabes” antes eram feitos por grupos extremistas definidos pela lei israelense como terroristas.

– Hoje pode-se ouvir isso em todos os lugares. Muitos árabes não se sentem seguros para andar livremente nas cidades judaicas ou numa cidade mista por causa deste fenômeno.

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Jodi Rudoren, do New York Times