Este texto é mais um brainstorm do que outra coisa. Por isso, a colaboração será peça fundamental para promover uma reflexão que responda, dentre outras perguntas, “Por onde andam as jornalistas?”
A ideia de falar sobre o lugar da mulher no jornalismo vem sobrevoando a minha cabeça desde maio, quando Natalie Nougayrède, a primeira editora-executiva do Le Monde, pediu demissão. Ela havia sido empossada em março do ano passado com uma aprovação de quase 80% entre a redação – no periódico francês, são os próprios jornalistas que escolhem quem vai ser o chefe.
Um ano depois, uma crise interna motivou a demissão voluntária de 11 redatores-chefe do jornal por não concordarem com a gestão de Nougayrède. Uma das propostas da então editora-executiva era promover uma maior integração entre digital e impresso (prática que tem sido adotada por 110 em cada 100 veículos do mundo), o que fatalmente seria revertido em cortes na redação.
A resposta veio “de cima” e Natalie, pressionada por todos os lados, pediu para sair: “A vontade de certos membros do Le Monde de reduzir drasticamente as prerrogativas da direção do jornal é incompatível com o exercício da minha missão e compromete profunda e permanentemente o enfraquecimento da função”, escreveu a ex-editora em sua carta de despedida.
Coordenar subordinados
Um dia depois, do outro lado do Atlântico, foi a vez do The New York Times demitir Jill Abramson, a primeira editora-executiva do jornal. Sem qualquer tipo de aviso prévio, Jill foi substituída por Dean Baquet, que também vai ter papel protagonista ao ser o primeiro negro a ocupar o cargo mais alto de um dos jornais mais importantes do mundo.
Ao contrário de Natalie Nougayrède, Abramson não deixou nenhuma carta endereçada à redação, muito menos fez posts ou textos explicando o motivo de sua saída, o que aumentou as especulações ao redor da decisão do jornal. Uma enxurrada de análises e comentários inundou a internet nos dias após a notícia. Um argumento que foi apresentado quase como um consenso, era de que Jill tinha fama de autoritária e cobrava ao máximo a sua equipe. Foi sob sua gestão, por exemplo, que o Times lançou o especial Snow Fall, que revolucionou o storytelling no jornalismo digital e tornou-se modelo e referência para todas as publicações. Nesse caso, Abramson colocou o NYT à frente do The Guardian, por exemplo, que tem uma tradição em apresentar soluções inovadoras dentro do jornalismo. (A título de lembrança: por aqui, a Folha fez a sua própria versão de Snow Fall com um especial sobre a usina de Belo Monte.)
Pois bem. Duas mulheres, pioneiras em suas funções, demitidas por causas parecidas, em apenas dois dias. Só esse fato, sem as nuances de cada caso, já foi o suficiente para levantar suspeitas, especulações e muita discussão. Há quem diga que ambas foram vítimas de preconceito de gênero: “São mulheres, logo não podem ocupar cargos altos pois não têm competência para tal”, resumem os principais argumentos.
Mandona. Autoritária. Grosseira. Exigente. Inflexível Alguém que cobra muito. Irredutível. Pulso firme. Rígida. Teimosa. Ambiciosa. Se tais características fossem dirigidas a homens, talvez aí tivéssemos um conjunto capaz de definir aquele que seria um “bom líder”, de acordo com o senso comum. Eis aí outro argumento que se repetiu. Em linhas gerais, há uma aceitação de que, para que um líder seja respeitado em seu meio, ele deve ser, antes de tudo, um técnico que coordene seus subordinados para que o resultado do trabalho seja o melhor possível.
As mulheres nos três maiores jornais do país
Se o gênero foi ou não uma questão preponderante na demissão de ambas, só elas mesmas podem dizer. Natalie Nougayrède afirmou ter sido alvo de pressões e ataques pessoais, ainda que não tenha revelado a natureza deles. Jill Abramson falou na semana passada ao Yahoo! e disse não ver a questão de gênero “como uma explicação em si para o que aconteceu”. Ainda assim, ela concorda que há um padrão duplo em relação ao tratamento dado para homens e mulheres: “As mulheres são escrutinadas e criticadas de uma forma diferente, e há certas qualidade que são vangloriadas em homens, como características de liderança e ambição, e que não são vistas de maneira tão receptiva quando são apresentadas por mulheres”, disse. No meio da história, ainda foi publicado que Jill havia acionado seu advogado após descobrir uma discrepância entre o valor que ela recebia de salário e benefícios e o valor recebido por seu antecessor, Bill Keller, que era muito superior.
Diante dessas notícias, comentários e argumentos sobre os dois casos, pensei: e no Brasil? Pelas bandas de cá, 64% das redações são dominadas por mulheres, segundo a pesquisa “Quem é o jornalista brasileiro?“ feita pela Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria com a Fenaj, com dados de 2012. Não há estudos sobre a porcentagem de mulheres em cargos de chefia no jornalismo brasileiro. Mas uma breve olhada nos três maiores jornais do país, Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, já nos dá uma ideia da situação.
Na Folha, por exemplo, não há nenhuma mulher no Conselho Editorial ou na diretoria-executiva do jornal. No Estadão e no Globo, a situação já é diferente: à frente do jornal paulista, a editora-executiva Cida Damasco; no carioca, Silvia Fonseca é a única editora-executiva numa equipe com outros três homens. No Valor Econômico, uma parte significativa da direção do jornal é ocupada por mulheres: Vera Brandimarte é a diretora de Redação, Claudia Safatle é a diretora-adjunta e Raquel Balarin, diretora de Conteúdo Digital, além de Célia de Gouvêa Franco como editora-executiva.
Chamado à reflexão
Longe de mim cometer qualquer injustiça. Sei que quando se fala em editorias, há muitas mulheres ocupando cargos de destaque; basta folhear jornais e revistas para constatar isso. Sem falar nas grandes repórteres, dignas de figurar em qualquer “Manual de Reportagem”, como Dorrit Harazim, Eliane Brum e Laura Caproglione, só para citar poucas e me poupar da indelicadeza de acabar esquecendo várias outras.
Mas a ideia é justamente provocar a reflexão sobre o lugar da mulher nas redações. Tenho amigos que trabalham e trabalharam em todos esses veículos, e os adjetivos usados para comentar a desenvoltura das “chefes” são muito parecidos aos usados pelos franceses contra Natalie Nougayrède e pelos nova-iorquinos contra Jill Abramson.
Sei da dificuldade que seria que cada uma dessas mulheres citadas acima – e tantas outras que acabei deixando de fora – relatar a sua experiência no comando de um grande jornal ou de uma editoria. As pressões, os assédios, os comentários e todos os outros tipos de obstáculos (e aqui faço questão de colocar tudo no plural) que elas enfrentam diariamente, em busca de fazer do seu trabalho o melhor possível, mesmo diante de adversidades.
Fico pensando como seria a repercussão caso uma dessas mulheres fosse demitida (toc, toc, toc na madeira). Se alastrariam pela rede análises e mais análises, reflexões e comentários ponderados como houve nos casos estrangeiros? Haveria uma mobilização da redação em repúdio à demissão, como aconteceu no Times? Ou tudo seria resumido a um “que bom que essa (insira o xingamento de preferência) foi embora?”
Enfim, como eu disse anteriormente, este post é um chamado à reflexão e fica aí o convite para quem quiser relatar a sua experiência.
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Luiza Bodenmüller é jornalista