Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A ironia que pode custar caro

A decisão de outros países latino-americanos de retirarem seus embaixadores de Israel pode ter alguma relação com a polêmica envolvendo o Brasil e o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores israelense, Yigal Palmor.

É possível que Chile, Peru e El Salvador viessem a tomar a decisão de qualquer maneira. O Chile, inclusive, tem um fator político interno relevante: há cerca de 500 mil palestinos vivendo no país – membros, portanto, da maior comunidade palestina fora do Oriente Médio. Mas creio que a troca de farpas entre o porta-voz de Israel e a diplomacia brasileira pode ter contribuído para a decisão.

Ao optar por se posicionar de maneira irônica, Palmor agiu com o estômago, não com a racionalidade exigida pelo cargo que ocupa. E isso mostra seu despreparo de algumas formas: seu primeiro erro foi não ter tido a capacidade analítica de projetar como suas declarações seriam recebidas pela diplomacia brasileira; outra falha grave evidencia a falta de avaliação do poder de suas palavras sobre o imaginário brasileiro comum; em terceiro lugar, o aparente desconhecimento ao fazer tais declarações para o maior grupo de comunicação do Brasil – que, inclusive, realizou a primeira exibição repercutindo Palmor em seu principal telejornal; e, para finalizar, a incapacidade que aparenta ter de perceber que esta é uma guerra cujas derrotas nas disputas virtuais e nos meios de comunicação são tão ou mais importantes que no campo de batalha.

Derrota diplomática

Em toda a imprensa brasileira, as declarações do porta-voz israelense tiveram destaque. Capa dos principais jornais impressos, o embate retórico também mereceu editoriais e artigos de opinião. Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, resgatou artifício linguístico já amplamente consolidado na imprensa ao chamar o funcionário de Israel de “sub do sub do sub do sub” (em memória à forma como o PT criticava a relação entre o governo de Fernando Henrique Cardoso e o Fundo Monetário Internacional, no final dos anos 1990). No dia 28 de julho, a polêmica subiu de escalão. Em sabatina à Folha de S.Paulo, foi a vez de a própria presidente Dilma Rousseff se posicionar, lamentando as palavras de Palmor e afirmando que o embaixador brasileiro retornará a Tel Aviv no futuro (sem especificar quando). As declarações do funcionário israelense acabaram por fornecer aos veículos de notícias brasileiros conteúdo que aproxima ainda mais o conflito entre Hamas e Israel de seu público.

Todos esses erros de avaliação por parte de Palmor também inflamaram o próprio posicionamento do governo brasileiro. É possível – e aí tomo o cuidado de deixar claro que esta é apenas uma possibilidade – que Brasília tenha articulado nos bastidores com seus parceiros latinos. Se for este o caso, se o Brasil de fato quiser provar na prática que as declarações do porta-voz israelense estavam erradas, Yigal Palmor vai ser diretamente responsável por uma derrota diplomática de grandes proporções. E tudo isso vai ter como origem o desconhecimento do israelense sobre o Brasil e a sobre a própria imprensa brasileira.

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Henry Galsky é jornalista