Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não sorria, você está sendo manipulado

“Às vezes, a única coisa verdadeira em um jornal é a data.” (Luis Fernando Verissimo, escritor)

Onde há dois judeus, há três opiniões. Este tradicional provérbio sobre o cotidiano judaico resume o conceito de que nem todo crítico do governo de Israel é antissemita, assim como aquele que costuma defender o país não obrigatoriamente pertence à comunidade judaica.

Como jornalista e profissional de marketing, tenho proferido muitas palestras nas quais evoco o direito à liberdade de expressão, mas também destaco a importância do respeito à contrariedade de pensamento. O debate construtivo, baseado em análises consistentes, não é apenas bem-vindo, como enriquece culturalmente os envolvidos e enobrece a sociedade democrática. Por outro lado, posturas exacerbadas são consequência da ausência de raciocínio, da escassez de argumentos sólidos, de discriminações incutidas covardemente pela história ou utilizadas de forma leviana e conveniente nos dias atuais como sendo “politicamente corretas”. Manifestações radicalizadas embutem o pseudosentimento de que a coexistência com o diferente é uma anomalia da sociedade e, portanto, erradicá-la se torna uma incontestável decisão e uma premente necessidade. Este perigoso pensamento não podemos reviver!

No meu dia a dia, analiso as diferentes mídias e o impacto causado pela condução de cada reportagem, assim como avalio o conteúdo incluso em suas entrelinhas. No caso específico do conflito em Gaza, o desequilíbrio da mídia fica explícito até para os mais leigos receptores da informação. Descaradamente, o jornalismo bombástico utiliza escusos artifícios para gerar simpatia perante a opinião pública e privilegiar seus próprios anseios, sejam eles ideológicos, comerciais ou ambos. E faz isto não apenas no espaço editorial, como seria aceitável em termos éticos, mas subliminarmente, ferindo os princípios mais elementares do juramento profissional. Ao omitir de forma covarde e acintosa e deturpar de maneira proposital e seletiva, a irresponsável manipulação contribui para formar e consolidar premissas através do ódio e, ao mesmo tempo, privilegiar valores morais que em nada agregam ao engrandecimento de uma sociedade dita civilizada.

Assim como durante um mês fomos 200 milhões de técnicos de futebol, enquanto durar este conflito seremos PHDs em questões do Oriente Médio. Se, mesmo no controverso mundo do futebol, há ocasiões em que a derrota é considerada incontestável, na deprimente realidade das guerras interesses políticos se unem ao marketing letal para bombardear a consciência coletiva e gerar resultados que, mesmo quando expostos a uma goleada, são apresentados como sempre satisfatórios por aqueles que têm voz, mas nem sempre sinceridade, para contar a história. Assim, cria-se a emotiva imagem de um lado e a questionável razão do outro; as eternas vítimas de um lado e a constante arbitrariedade do outro; o contundente discurso de um lado e a provocativa dúvida do outro; o certo absoluto de um lado e o permanente equívoco do outro. A massificação destes inconcebíveis conceitos pré-moldados fragiliza a capacidade de pensar, tão indispensável em situações de crise, e engessa a ação dos que entendem o bom senso como o único caminho plausível.

Show de horrores

Estamos diante de um lamentável espetáculo circense em que a inocente plateia, vendada ou vendida, é hipocritamente induzida a participar com insultos preconceituosos e a aplaudir atitudes insanas. No momento em que o público abrir os olhos perceberá que a interpretação destes fantoches é tão despropositada quanto irracional e que, ao cair das máscaras, esta nefasta representação ilusionista terá servido apenas para torpedear a construção de uma sociedade verdadeiramente humana – cujos requisitos indispensáveis incluem noções de respeito, confiança e reconhecimento mútuo, além do real desejo de se alcançar um convívio pacífico e igualitário.

Que fechem logo as cortinas deste degradante show de horrores que vilipendia a verdade e humilha a inteligência. Que tenhamos o mínimo de sensatez e sabedoria para usar o inigualável poder da educação como a única arma para alcançarmos a tão almejada harmonia, evitando que, daqui a 100 anos, sejamos obrigados a recordar as vítimas e consequências desta tragédia. Mas que a paz não seja apenas uma eterna retórica ou uma formal assinatura, e sim o franco entendimento de que é a única possibilidade para que o choro de hoje se transforme em abraços amanhã.

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Mauro Wainstock é jornalista