Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Yo pra você também!

Jornais dizem que o gerente queria um sisteminha para chamar a secretária. Em tempos de informática, pediu a um auxiliar que criasse um. Ele disse que não tinha tempo. Meses depois, o pedido se repetiu. Então o funcionário se juntou a um amigo que mexia com computadores e, em pouco tempo (duas horas, segundo ele), criaram o Yo. Ou se trata de gênios da programação ou o sistema é de uma banalidade tecnológica atroz.

Yo (uma gíria cujo sentido é de saudação, como nosso “oi”) é um aplicativo que serve para dar recados rápidos. Em vez de telefonar, de mandar um SMS (como se esses fossem sistemas custosos, equivalentes a mandar um criado ou um maratonista entregar a mensagem), basta dar um toque no celular. Assim pode-se enviar essa incrível e sofisticada mensagem a uma pessoa ou a uma tribo, análoga à dos “seguidores” – que, invariavelmente, escolher seguir personagens midiáticas rasas.

Pode-se, com isso, avisar que o happy hour está começando, informa o inventor em entrevista. Supostamente, isso poderia aumentar a produtividade dos funcionários de uma empresa, porque se ganha tempo. E, como se sabe, tempo é dinheiro.

Claro que, em vez de Yo, a palavra poderia ser outra. Se é enviada com um clique, poderia até ser longa, como serendipity, mas, claro, tal escolha poderia produzir um efeito paradoxal – ou mesmo alguma dificuldade de leitura, com a exclusão dos seguidores menos letrados. Cada texto tem seus leitores modelo!

O aplicativo já tem alguns milhões de usuários e o número tende a crescer, informam textos um pouco mais longos que o do aplicativo. Substitui a buzina, o sino, a sineta, a fumaça, as luzes piscando, a imitação do pio da coruja, os reflexos dos espelhos, o SOS. Enfim, todas as senhas. Nada de novo, como se vê, exceto a tecnologia e seu alcance mundial. Uns usam esses aplicativos porque dão lucro; outros, para estarem na moda.

Boa pergunta

Yo me lembra de um diálogo clássico. Ouvindo que uma imagem vale por mil palavras, Millôr respondeu: “Diga isso numa imagem”. Traduzindo: informe com o texto “Yo” para que é que serve o aplicativo Yo. Sem uma explicação verdadeiramente textual, alguém pode achar que recebeu a mensagem “EU”, em espanhol, e responder “EU QUEM, cara-pálida?”. Sem tudo o que se deve saber antes que o aplicativo seja aplicado, ele não funciona.

Qual seria a vantagem do aplicativo? Rapidez. É mais fácil – rápido – dar um toque (no trânsito) do que redigir um SMS ou discar um número de telefone, se bem que essa última ação pode ser driblada por meio das listas de contato. Em todos os casos, para que a coisa funcione bem é preciso que os destinatários estejam à espera do toque, como se esperassem o sinal para “atacar”.

Rapidez! Lembrei de Calvino, mais precisamente, de uma de suas propostas para o próximo milênio (Seis Propostas para o Próximo Milênio, Companhia das Letras, 1990). O texto foi redigido em 1986. Elogia as narrativas populares que vão direto ao ponto. Em certo sentido, precisam ser genéricas para poderem andar depressa (o rei está doente – a natureza da doença não importa, especialmente se o que a cura é a pena de um ogro). Está falando de literatura, não de eficiência comunicacional. Mas é espantoso que sua conferência sobre rapidez – repito, de 1986 – inclua o seguinte parágrafo: “Em uma época em que outras mídias triunfam, dotadas de uma velocidade espantosa e de um raio de ação extremamente extenso, arriscando reduzir toda comunicação a uma crosta uniforme e homogênea, a função da literatura é a comunicação entre o que é diverso pelo fato de ser diverso, não embotando, mas antes exaltando, a diferença, segundo a vocação própria da linguagem escrita”. (pág. 58).

O que me levou a dois outros autores: Sartre, contando, em As Palavras, que, quando criança (lia muito), pulava as descrições para ir direto à ação; e Umberto Eco, confidenciando, em pós-escrito a O Nome da Rosa, que amigos lhe sugeriram diminuir as primeiras cem páginas do romance, ao que ele respondeu que, se alguém quisesse entrar na abadia e viver nela sete dias, tinha que ler as primeiras cem páginas. Duas atitudes contrárias. Mas Sartre era criança.

Também me lembrei da piada contada por Freud: um polonês quer vender seu cavalo a outro e lhe diz que, se sair com ele de Varsóvia à meia-noite, chegará a Cracóvia às 4. O outro responde: “Mas o que vou fazer em Cracóvia às 4?”.

Fumaça branca

As notícias sobre uma aceleração cada vez maior da vida são constantes, de natureza heterogênea, e nem todas são exatamente de hoje: notícias em tempo real, imagens e textos enviados de celulares que “ameaçam” o jornalismo (que deveria reservar-se a tarefa de analisar, porque os fatos já são sempre velhos), aplicativos que limitam o número de caracteres (mesmo assim, para muitos, os textos parecem romances proustianos), aplicativos com uma só opção, “curtir”, avaliações segundo as quais nem professores nem alunos leriam textos longos (que deveriam ser do tipo hipertexto e com muitas imagens), anúncios do fim do romance e do triunfo do conto, exatamente por sua brevidade, jornais distribuídos gratuitamente nas esquinas, cuja principal característica é a brevidade dos textos: a parafernália de coisas breves – e da correspondente ideologia segundo a qual o que importa é informar, ou pior, comunicar (o quê?) – é infinita.

A cada novidade do gênero, uma coisa fica clara. Que os usuários dessas tecnologias se servem delas basicamente para coisas banais: avisar que se está tomando café (e mostrar o biscoito), que o cachorro acordou, que o gato está dormindo junto com o papagaio, para mostrar aos seguidores a carinha do bebê que acaba de nascer. Eventualmente, para passar adiante a manchete que, sem o texto, não faz sentido. E exatamente por isso… Minto: às vezes, o texto é “denso”: uma piada boba, uma frase positiva, um verso falso de Borges ou Vinícius.

Pode ser que, um dia, o Yo, ou o aplicativo que o substituir – nenhum dura muito tempo – sirva para anunciar a eleição do papa, substituindo a fumaça branca. E poderia ter servido, há cerca de um mês, para informar sete vezes “gol da Alemanha”. Mas ambas as hipóteses requerem que o sentido fosse previamente convencionado. Caso contrário, haveria rapidez, mas não comunicação.

******

Sírio Possenti é professor do Departamento de Lingústica/Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, autor de Questões para analistas do discurso (Parábola)