Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Grande hotel abismo

A campanha eleitoral avança furiosa em direção ao parque do tiro ao alvo e seus truques. Um conformismo disfarçado de não conformismo. Em um gigantesco país que oscila desde a redemocratização entre o otimismo e o pessimismo como se fosse hóspede de um “belo hotel, provido de todo conforto, à beira do abismo, do nada, do absurdo”. Movido pelo espetáculo diário das pesquisas, da publicidade vulgar que desde os anos 90 matou a inteligência crítica dos políticos, triturou partidos, reuniu manadas no Congresso, não demonstra nenhuma simpatia pelo futuro. Siglas, propaganda, slogan, Justiça Eleitoral, marqueteiros, fama e segredo tentando passar para a sociedade um sentido de missão no meio do caos.

Eles gostam de cumprimentar pessoas como se fossem um evento. São candidatos. Amargos e secos quando coléricos; ácidos e frios se melancólicos. Doces e úmidos como fleumáticos; salgados e quentes como sanguíneos. Não fecham a matraca por nada. Também tagarelam enquanto não devolvem ao cidadão o privilégio de ter escolha própria. O princípio que nos rege é o de que o poder é um direito absoluto. Nenhum eleitor está sendo convidado para ser dono do próprio negócio. Todos precisam ser parceiros do governo, ocupar um canto adequado daquelas subdivididas unidades por raça, sexo, classe, idade, religião, estado civil, consumidor, produtor, subsídios, isenções, caça e pesca. Entrar em uma das inúmeras burocracias, destinadas a tornar invisível a responsabilidade do governante e onde as decisões são escolhas individuais de grupos de pressão.

Carta aos brasileiros

As mais recentes notícias sobre a eleição parecem dizer “vamolá país!”, nada mais nos define. Uma família retrógrada volta quando quer governar o mais independente estado brasileiro, valendo-se da mesma campanha que há 40 anos serviu de pretexto aos militares para enterrar a Guanabara. Supondo que “Coronelismo, enxada e voto” virou programa de governo, a presidente dá uma dentadura para uma senhora pobre do Nordeste como se faz há mais de cem anos. O líder empresarial do estado mais rico aceita a deslumbrante ideia da assessoria especializada e fala que seu principal concorrente, o atual governador, não pode se reeleger por não ter “tesão”, ou seja lá qual é o subtexto da metáfora contida na ofensa à performance do favorito. A Justiça na capital da República, de tanta confusão, atrapalha a compreensão do eleitorado. Com seu próprio tribunal o crime organizado decide como será a eleição nos seus domínios e mantém sua sina de fazer vidas destroçadas dentro e fora dos presídios.

No primeiro debate na televisão, três fundadores do PT se enfrentam buscando entender por que foram proscritos, se é preciso continuar a defender as mesmas coisas que sonharam. Um desalinho delicado os envolvia contrastando com o vinco do sorriso com que a candidata do PT atual os observava. Enquanto o candidato do PSDB parecia dizer que era injusto, outra vez, ser destinatário de outra carta aos brasileiros pedindo a um tucano para ser o guardião da moeda nacional.

******

Paulo Delgado é sociólogo e foi constituinte pelo PT de Minas Gerais