Uma crítica de televisão ao analisar um debate não deve avaliar as propostas discutidas, o que é obrigação dos comentaristas políticos. Mas deve estar atenta a como tudo foi discutido e apresentado. Um sofrimento igual ao do telespectador. Me refiro claro ao debate entre os candidatos a presidente, realizado pelo SBT, a Folha de S. Paulo, o UOL e a Jovem Pan. Não é à toa que os debates são regulados na lei eleitoral no capítulo da Propaganda Eleitoral. O poder dos candidatos de definir o formato é total, e o resultado ali não poderia ser outro: tudo deve conspirar a favor deles.
O mediador não pode fazer perguntas, só dizer: seu tempo, candidato, acabou. Desperdiçar um repórter do quilate de um Carlos Nascimento chega a ser um crime. Mas ele é tão bom que não parecia ligar para essa posição secundária. Sua sobriedade era tão grande que o controle do tempo ganhou até seu charme. Mas o pior papel é o dos jornalistas que fazem perguntas. A culpa não é deles, todos competentes e experimentados. Fizeram perguntas pertinentes e importantes, mas sabendo elas não seriam respondidas, porque os candidatos só respondem o que querem. Sem falar que, aos jornalistas, é proibido replicar, buscar fazer o candidato não fugir da raia. Pelas regras, quem deve replicar é um outro candidato. Estabelece-se então um diálogo de surdos, que só não é engraçado porque beira a melancolia. O jornalista pergunta “y”, o candidato responde “x” e o outro candidato replica “w”. E o eleitor-telespectador que se dane.
A coisa é antiga. No debate de 1989, realizado empool por quatro emissoras (Manchete, Band, SBT e Globo), o veterano comentarista político Villas-Boas Correa, então pela Manchete e Jornal do Brasil, denunciou o fato e fez a única pergunta que poderia fazer numa circunstâncias daquela: se era assim que os candidatos tratavam a imprensa, impondo regras tão exdrúxulas no debate, como haveriam de tratá-la quando chegassem à presidência?
Não que o debate não sirva para nada. Mesmo proibindo tudo, os candidatos acabam entregando aos eleitores quem são e o que pensam (e o que não pensam). Conta para isso menos o que dizem e mais o gestual, os tiques, o nervosismo. E, claro, uma declaração ou outra.
Perguntas e respostas
A presidente Dilma Rousseff estava visivelmente nervosa. Sempre acompanhada de um caderno dividido em temas, provavelmente era a única que poderia dispensar esse artifício: na presidência há quatro anos, sabe de cor seus feitos e números. Mas, talvez para se sentir mais segura, não o largou, o que podia ser visto claramente pelo enquadramento da câmera. E lia ou tentava ler quase tudo, às vezes provocando no espectador pena ou solidariedade. Explico. Quando o outro candidato lhe fazia uma pergunta, sua expressão demonstrava a concentração de quem tentava entender rapidamente o tema. Quando o opositor falava em “presídio”, por exemplo, folheava com certa angústia o caderno e, quando achava o assunto, se traía com uma expressão de alívio. O espectador sentia pena na procura e solidariedade no achado. Mas o tédio tomava conta quando ela tentava ler as respostas ou as perguntas, sempre meio zangada, meio contrariada. Estava visivelmente incomodada em estar ali.
Aécio Neves, do PSDB, fazia um esforço imenso para parecer à vontade. Não se dava conta do paradoxo: se fazia esforço, não podia estar à vontade. Em relação ao debate anterior, diminuiu a expressão sempre risonha, algo que poderia ser interpretado como deboche. Não tinha caderno, mas suas falas pareciam decoradas, o que suprime a espontaneidade indispensável a uma percepção maior de sinceridade. Tudo isso piorava com um certo formalismo, revelado ao chamar os oponentes de “cara candidata”, num tipo de fala mais apropriado para a tribuna do Senado.
Marina Silva, mais alvo que no debate anterior (na Band), estava mais senhora de si. Isso não quer dizer que sua fala fosse clara, o contrário disso. Falava esticando as frases, num palavreado que o homem comum com certeza tem dificuldades de entender. Mas transmitia segurança, altivez e levava as questões a sério. Não que as respondesse pão-pão queijo-queijo. Mas ao menos não parecia debochar.
Fora isso, os telespectadores saíram do debate ouvindo o recado que cada candidato queria dar de si: Dilma se diz a mais experiente, a mais preparada, que evitou o caos que a crise internacional provocaria se ela não estivesse no poder, tendo ainda tirado milhões de brasileiros da miséria e melhorado saúde, educação e transportes (embora não tenha conseguido fazer tudo o que quis). Aécio diz que o governo foi o mais incompetente de todos os tempos, que os brasileiros querem mudança já, mas uma mudança segura, sem aventuras, com gente que sabe fazer. Marina quer se mostrar como aquela que representa o novo, que sabe o que é bom para o país, sabe reconhecer o que é bom no PT e no PSDB, mas que, se não for ela a eleita, a vaca vai para o brejo (poluído).
Essas definições são estereótipos e não retratam a realidade? Claro que sim. Mas a culpa não é minha nem dos jornalistas que fizeram o debate. Se houvesse liberdade de se perguntar o que fosse necessário, apontando-se contradições e buscando respostas sinceras, os eleitores saberiam melhor quem é quem. Nos debates, por força de lei, falta jornalismo, sobra propaganda.
PS: Ah sim, ainda havia como candidatos o Pastor Everaldo, Luciana Genro, Eduardo Jorge e Levi Fidélix. Mas falar deles seria abusar do leitor.
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Patrícia Kogut é colunista do Globo