Hoje vou falar sobre o nada. Como bem mostrou o professor Pasquale Cipro Neto, o projeto de lei que aboliria o “h” inicial das palavras, eliminaria o “ch” e o “ç” simplesmente não existe. É mais um daqueles delírios coletivos que às vezes chegam à imprensa. Ainda assim, acho que vale apresentar ideias sobre reforma ortográfica.
Com todo o respeito que tenho por Antônio Houaiss, sua iniciativa para padronizar a escrita dos países lusófonos foi um desastre. Passados 24 anos da assinatura do acordo, as ortografias adotadas em Brasil e Portugal continuam diferentes e nós, do lado de cá do Atlântico, passamos pelo levemente traumático, relativamente custoso e absolutamente inútil processo de reaprender a escrever.
Isso significa que toda reforma ortográfica deve ser rejeitada de chofre? Até penso que sim, mas é preciso antes observar que nem todas as reformulações são iguais. Faria algum sentido abraçar uma mudança radical que tornasse a escrita tão foneticamente transparente quanto possível. Isso significaria aniquilar não só o “h” inicial, o “ch” e o “ç” como também disciplinar o “x”, domar o “r-rr” etc. O que ganharíamos? O processo de alfabetização se tornaria mais fácil, rápido e barato.
Apelo sincero
Como mostra Stanislas Dehaene em “Os Neurônios da Leitura”, crianças que se alfabetizam em idiomas cuja ortografia é transparente, como é o caso do italiano e do alemão, ganham fluência plena até dois anos antes de jovens que se utilizam de escritas foneticamente opacas como o francês e, sobretudo, o inglês.
É tentador, mas não creio que nosso compromisso seja só com a garotada. A língua também precisa servir aos que já a se assenhoraram de sua escrita e sofrem um pouco a cada reforma. Eu mesmo já passei por três.
Meu apelo sincero aos legisladores é que deixem o idioma em paz. Se há norma que valeria a pena aprovar é uma que limite a três séculos a periodicidade das reformas ortográficas.
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Hélio Schwartsman, da Folha de S.Paulo