Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os cães ladram e a caravana passa

Neste 2014, esta foi somente a sétima eleição para a Presidência da República contra os 21 anos de ditadura política em que o processo de escolha dos representantes pelo voto direto esteve banido da formação cidadã do povo brasileiro. Entretanto, não é arriscado dizer que estamos diante da primeira eleição madura e consistente da recente retomada de história democrática do Brasil.

Dilma ganha em todas as regiões do país com o voto dos mais pobres, informa, com palavras semelhantes, a matéria publicada em 2 de outubro no caderno País, de O Globo. Pois é, o país foi desperto pelo Estado para todos iniciado no governo Lula e o brasileiro dos grotões e periferias passou a ter identidade, direitos e até deveres a que nem tinha direito na sua condição de invisível e submarginalizado.

O voto massivo dos mais pobres é indicador da maturidade política do país. Comida na mesa, emprego, salário mínimo com poder de compra, acesso à escolaridade e à mobilidade antes só possível às classes médias e altas não são sensações provocadas por construções de realidade marqueteiras. São pulsações na veia e consciência de barriga sentida de maneira direta pelo corpo. É esse corpo físico e social, agora com tônus, que vai às urnas assegurar o que conquistou com a sua simples presença.

Para a oposição, quem dera fosse uma simples presença. Porque é essa incorporação do povo no cenário da vida pública nacional que provoca outra explicitação de maturidade, embora nem sempre tão consistente assim, que é a circunscrição da política no plano exclusivo da ideologia. Digo que nem sempre com consistência porque raros são os eleitores detratores de Dilma que reconhecem seus discursos como ideológicos e de luta de classes, demonstrando uma ignorância quase jocosa pela argumentação insólita que não percebe nem admite o quanto de preconceito e horror à igualdade ulula nas suas falas expansivas, desabridas e supostas de verdades.

Debate ideológico

Mas, aparte esses eleitores, os políticos que disputam mais de perto a presidência com Dilma sabem bem que é a ideologia o campo de embate em que esta eleição está se dando. O que está em jogo é o modelo de país inclusivo, altivo e ativo da presidenta Dilma, versus o modelo evolucionista dos tucanos e marineiros, e nessa polaridade aparecem os clichês pela tradição, família e propriedade deixados aos candidatos de alguns partidos pequenos que, por direito, também concorrem ao pleito e pactuam com os adversários majoritários de Dilma.

O conceito de ideologia é muito diverso. No caso, tanto pode mascarar a realidade quanto representá-la de formas diversas. Nos debates dessa sétima eleição direta para a presidência, ela tem sido usada pelos opositores citados de Dilma mais para mascarar do que apresentar claramente suas intenções, o que sem dúvida deixa confusa parcela importante de eleitores ainda pouco familiarizados com as artimanhas da retórica e com o significado concreto de determinadas decisões institucionais sobre o dia-a-dia de suas vidas. Em todo o caso, me parece um sinal de maturidade evidenciar as diferenças e trabalhar a política nessa perspectiva. Na tradição chinesa, o 7 é número que indica problema. Já o 8 é felicidade. Quem sabe, na oitava eleição as diferenças já estejam tão claras e difíceis de serem confundidas que o debate ideológico se dê aberto sem nenhuma das partes com medo de ser feliz no compromisso de representar os desejos e anseios de seus eleitores. Apesar de toda a luta e risco que essa disputa encerre. Mas isso é da vida, ou seja, é da política.

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Maria Luiza Franco Busse é jornalista, doutora em Semiologia e pós-doutoranda em Comunicação e Cultura