Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Como as pesquisas influenciam o eleitor

No domingo (5/10), tão logo a apuração da eleição para presidente da República chegou ao fim, recebi WhatsApp no grupo de uns amigos jornalistas. A mensagem, de autoria de um colega que trabalha em jornal impresso, celebrava a ascensão de Aécio Neves (PSDB) ao segundo turno, no lugar de Marina Silva (PSB). O tucano conquistara 33,55% dos votos válidos, enquanto Marina obtivera 21,32%, apenas.

Um dia antes, o Datafolha havia divulgado uma pesquisa que apontava empate técnico entre o candidato tucano (26% das intenções de votos válidos) e Marina (24%). De acordo com a pesquisa, dali sairia o adversário de Dilma Rousseff (PT), que contava com 44% dos votos válidos.

Aécio terminou o primeiro turno com mais de 7 pontos percentuais além do previsto pela pesquisa e mais de 12 pontos distante de Marina.

No WhatsApp, o colega dizia coisas como “nada a ver a Marina ir para o segundo turno”. Eu estava bem ocupado naquele momento, fazendo a cobertura da apuração – e, honestamente, não queria entrar em debate. Apenas disse que havia votado em Luciana Genro (PSOL). Achei que seria motivo de piada no grupo, e me surpreendi quando ele respondeu:

“Eu ia votar na Luciana Genro. Ela era a candidata que mais tinha a ver comigo. Mas seria um voto desperdiçado.”

Por causa dos números, esse colega deixou de lado convicções políticas – que deveriam ser, de fato, o real critério para votar neste ou naquele candidato. Isso é comum no eleitorado.

Fagulha na alma

Mais do que informar a posição dos candidatos na corrida, pesquisas influenciam eleitores. É o chamado “bandwagon effect”, algo como “efeito de contágio”. Trata-se de um fenômeno no qual eleitores votam em um candidato de acordo com crenças e ideias de grupos majoritários, e não de suas próprias crenças e ideias. Desta forma, tais grupos são apontados e reforçados pelas pesquisas.

É um tanto de sentimento de pertença que surge no cenário de apatia política. E não é difícil de imaginar que eleitores sem raízes ideológicas estão mais suscetíveis aos efeitos das pesquisas. Desta forma, o circuito de como as pesquisas de intenção de votos influencia a escolha do eleitor (e, consequentemente, o resultado do pleito) funciona assim:

1. sem apego político, o eleitorado depende cada vez mais da mídia para escolher um candidato;

2. a mídia cobre com mais afinco (mais espaço e mais esforços) os candidatos que ela julga serem importantes, sem dispensar o mesmo tratamento aos demais;

3. em época de eleição, com a exposição que a mídia deu ao longo do tempo, os nomes mais citados aparecem com maior frequência nas pesquisas;

4. o “bandwagon effect” faz com que aqueles com mais pontos nas pesquisas ganhem cada vez mais adesão.

Quem diz isso não sou apenas eu. mas também Robert K. Goidel, da Universidade de Southern Louisiana, e Todd G. Shields, da Universidade de Kentucky. No artigo ‘The Vanishing Marginals, the Bandwagon and the Mass Media‘, os pesquisadores confirmaram que os marginais (ou seja, os candidatos nanicos) serão cada vez menores devido ao efeito de contágio, enquanto os grandes continuarão grandes.

Um outro estudo mostra a influência de pesquisas eleitorais na decisão do voto. Em 1992, durante a corrida presidencial norte-americana, a dupla de pesquisadores Vicki G. Morwitz e Carol Pluzinski realizou um estudo chamado ‘Do Polls Reflect Opinions or Do Opinions Reflect the Polls?’. Eles tomaram uma amostra de 214 estudantes de uma grande universidade do nordeste dos EUA e dividiram em dois grupos: para o primeiro, foi apresentada a informação de que Bill Clinton estava na liderança nas intenções de voto; para outro, não. O número de estudantes que iam votar em George Bush e mudaram o voto para Bill Clinton foi significativamente maior no grupo exposto à pesquisa que apontava a vitória do democrata.

Por causa das pesquisas, somos capazes de ignorar aquela fagulha de ideologia que temos na alma. Preferimos votar em candidatos com quem não temos afeição alguma e que estão na dianteira nas pesquisas a votar em quem acreditamos, ainda que as pesquisas apontem não haver chance dele sair vitorioso.

Precisamos urgentemente rever o significado de “voto desperdiçado”. E, para efetivamente criarmos uma sociedade melhor, reavaliar a real utilidade das pesquisas eleitorais.

Acima de tudo isso, precisamos nos apaixonar por política.

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Rodolfo Viana é jornalista e escritor