Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

‘Pesquisa não é um oráculo’

Duas máximas, uma do marketing político e outra sobre os governantes, parecem ter sido decisivas na escolha dos candidatos nestas eleições. A primeira delas foi cunhada nos Estados Unidos, em 1992, na eleição do ex-presidente Bill Clinton. James Carville, estrategista do democrata, citou uma frase que, a partir dali, passou a definir o que poderia derrubar ou alçar à vitória um candidato: “É a economia, estúpido”. A segunda é de 1957 e se tornou um exemplo da tolerância da população brasileira com a corrupção. Na época, o perfil do candidato do PRP, Adhemar de Barros, um tocador de obras monumentais, foi resumido com a seguinte frase: “Rouba, mas faz”.

Diferentemente do que tanto se prega, Márcia Cavallari, CEO do Ibope, diz que o brasileiro continua fechando os olhos para a corrupção. “O eleitor ainda pensa: ‘Se ele [o candidato] roubar, mas fizer alguma coisa, estou ganhando mais do que com um que não rouba’”, afirma a pesquisadora e cientista política, ao justificar votações expressivas em candidatos com o registro cassado pela Lei da Ficha Limpa.

O desempenho da economia é o calcanhar de aquiles das candidaturas. Pragmáticos, os eleitores não querem perder nenhuma das conquistas das últimas duas décadas. Inflação? Nem pensar. Estão de olho no futuro. Buscam fora de casa as melhorias que levaram para dentro. Têm TV, geladeira, máquina de lavar roupa, mas querem um serviço de saúde pública que funcione de fato, segurança e educação. “O eleitor não quer ilusões. Quer coisas tangíveis e em pouco tempo.”

Na sala da diretora do Ibope ouve-se, como se estivesse ali dentro, o estrondo do bate-estaca no terreno ao lado do prédio, na esquina da alameda Santos com a rua Augusta. O escritório, em alguns momentos, chega a tremer, sacudido pela força da máquina de 50 toneladas. O impacto, porém, não é tanto se comparado ao barulho das críticas por causa das disparidades entre alguns levantamentos e os resultados da eleição.

Márcia Cavallari trabalha há 32 anos no Ibope e diz estar acostumada às reclamações. Explica que a pesquisa representa um momento e ele seria tão fugaz que poderia mudar em segundos. “Quando entregamos uma pesquisa, ela já é o passado. A pesquisa conta uma história, uma tendência. Não é um oráculo.”

O Ibope foi vendido?

Márcia Cavallari – Por enquanto, não. Tem saído muita especulação. O que existe é que a WPP [uma das maiores agências de publicidade do mundo], um grupo sócio do Ibope na área da mídia, sempre teve interesse em ampliar a participação deles no instituto. Não tem nada fechado. A conversa sempre existiu e continua.

Vamos à pergunta mais óbvia.

M.C. – Posso eu mesma fazer: o Ibope errou nas eleições? Fomos o único instituto que realizou pesquisas sistematicamente nos 26 Estados, no Distrito Federal e a pesquisa nacional. Fizemos 134 pesquisas. Elas têm o papel de mostrar e informar o eleitor sobre a história da eleição. Se não fossem elas, não saberíamos como a Marina [Silva] entrou na eleição. Não teríamos acompanhado como ela cresceu nem a queda e a recuperação de Aécio [Neves]. Após o debate da TV Globo, as pesquisas detectaram e mostraram que ele estava na frente. A pesquisa conta uma história. Não pretende apontar o futuro, na casa decimal. Não consideramos que erramos porque contamos as histórias de todas as eleições em cada um dos Estados. Apontamos todas as tendências corretamente. O que acontece é que o eleitor decide o voto cada vez mais tarde. Espera os debates, conversa, vai formando sua opinião e muitos só decidem na hora em que entram na cabine para votar.

São os eleitores que demoram e induzem ao erro?

M.C. – Muita gente fala que o Ibope errou e está pondo a culpa nos eleitores. De forma alguma. O eleitor e o voto são soberanos. Não há pesquisa que substitua a vontade do eleitor e, por isso, a eleição só termina quando ele aperta a tecla “confirma”. Se olharmos as curvas de tendência de cada um dos candidatos, podemos notar que o resultado é como se fosse uma continuação das tendências apontadas pelas pesquisas. Como se fosse um ponto a mais nessa tendência. Veja no caso do Aécio: foi 27%, 30% e ele terminou com 33%. O problema é quando há uma mudança brusca. Aí as pesquisas não conseguem captá-la com essa velocidade.

Esse pode ter sido o caso do Rio Grande do Sul, da Bahia?

M.C. – Bahia, não. A campanha começou com Paulo Souto [DEM] bem na frente. Rui Costa [PT] não era conhecido, foi subindo, crescendo e chegou na véspera da eleição empatado com Souto e um número altíssimo de indecisos.

Mas ele ganhou no primeiro turno…

M.C. – Na última pesquisa ele estava com 39%. Na boca de urna, tinha 49%. Foi de um dia para outro. Nós dissemos que Rui Costa poderia ganhar naquele dia ou enfrentar Paulo Souto no segundo turno. Não tem nada de errado. É importante dizer que, quando acabamos de fazer uma pesquisa, o resultado dela já reflete o momento anterior. Terminei no sábado, véspera da eleição. Aquilo não é estanque. Os eleitores continuam observando, conversando e podem mudar. Outra coisa que poucos consideram é que a pesquisa mede a opinião das pessoas. E ela muda. A pesquisa corre atrás. A pesquisa conta uma história da eleição, é um filme, uma tendência. Não é um oráculo.

A pesquisa influencia os eleitores? Ajuda a criar o chamado voto útil?

M.C. – A pesquisa tem dois efeitos. Um que é institucional e outro direto no eleitor. O institucional, com ou sem divulgação, sempre vai existir. Influencia o caixa da campanha, que pode aumentar ou diminuir de acordo com a posição do candidato na campanha. O humor da militância, as coligações, o espaço que a mídia dá aos candidatos. O eleitor, por sua vez, pode usar a informação para escolher. Isso é legítimo, faz parte da democracia. O efeito não é unidimensional. Fala-se que todos votam de acordo com a pesquisa para não jogar o voto fora. Se fosse assim, quem começava em primeiro sempre terminaria em primeiro. Não é o que se vê. Pelo contrário. Neste ano, em uma das pesquisas perguntamos também quais eram as fontes de informação que o eleitor considerava na hora de decidir o voto. As pesquisas foram apontadas por 7% do eleitorado.

Quais eram as outras e qual era a mais importante?

M.C. – A mais importante era o noticiário da televisão, com 55%. A internet tem 20% [somando portais, blogs etc.]; a propaganda eleitoral gratuita influencia 26%; o noticiário dos jornais e o debate têm esse percentual também. E 48% dizem que decidem em conversas com amigos, familiares etc. Na eleição de 1989, veja só, começávamos a pesquisa nos interiores mais longínquos até chegarmos às capitais. Por quê? Porque se existisse algum fato importante, ele influenciaria as capitais e levaria um tempo até se refletir no interior. Hoje todos têm acesso simultaneamente à informação. A pesquisa é só mais uma informação.

A velocidade e a quantidade de informações disponíveis podem explicar essa decisão tardia dos eleitores?

M.C. – Podem, sim. E a democracia consolidada também. O eleitor foi aprendendo, teve decepções. Veja o exemplo da eleição de Fernando Collor: foi uma decepção para os eleitores. O eleitor que votou nele, hoje diz: “Errei”. Por isso, o eleitor espera. Quer ver se não vai aparecer nenhuma denúncia, quer ver o debate, acompanha os últimos dias. Nas últimas pesquisas que fizemos, quando o eleitor falava em quem ia votar, perguntávamos se a decisão era definitiva, se era uma preferência e se havia chance de mudar. Cerca de 40% nos diziam que a decisão não era definitiva. Na pesquisa de quinta-feira [dia 2] entre os eleitores de Aécio, 63% diziam que a decisão era definitiva; 23%, que era firme, mas ainda poderiam mudar; 11% diziam que era só uma preferência. Entre os eleitores da presidente Dilma [Rousseff], 67% não mudariam e os de Marina eram 63%. Existia ainda um espaço de movimentação do voto, isso quer dizer troca. Na reta final, Aécio pegou votos de Marina e de Dilma também.

No começo do período eleitoral se falava em grande número de votos nulos, brancos…

M.C. – O nível de interesse pela eleição foi baixo durante boa parte da campanha. Talvez pela Copa do Mundo, que foi aqui, o interesse tenha começado mais tarde. Na verdade, mais de 50% passaram a dizer que se interessavam depois que Marina entrou na campanha. Interpretamos isso como a influência ainda das manifestações de junho de 2013 associadas à ideia de que os candidatos postos não representavam esse desejo de mudança. Quando ela entrou, os eleitores pensaram que ela poderia atender a essa expectativa. A chegada de Marina diminuiu pela metade o número de eleitores que diziam não saber em quem votar.

Como ela perdeu esse capital? Foram os ataques da oposição?

M.C. – Ela não conseguiu se sustentar, mas não foram só os ataques. As idas e vindas de opinião deixaram os eleitores inseguros e isso levou à queda lenta e gradual da candidata.

A estrutura partidária teve algum peso na queda?

M.C. – Ninguém vota pensando no partido. Só no candidato. A identificação partidária dos eleitores brasileiros é baixíssima. Os candidatos mudam de partido a cada hora, portanto as pessoas não consideram isso. O problema com Marina é que o eleitorado começou a sentir insegurança nela mesma: “Falou isso, agora voltou atrás. Falou aquilo, agora voltou atrás. Como assim?” Teve também a maneira como ela se posicionou diante dos ataques, que passou fragilidade. No imaginário, o presidente da República é alguém forte, firme. Outro ponto foi o fato de que o Brasil, há três eleições [desde a reeleição de Lula em 2006], tem uma clivagem social muito forte, o país fica bem dividido. Em 2002, Lula teve uma votação muito homogênea no Brasil. O escândalo do mensalão começou a dividir o eleitorado. Sul e Sudeste votando no PSDB e Norte e Nordeste, no PT. Em 2010, Dilma herdou esse eleitorado e, agora, o Brasil continua dividido em vermelho e azul. Mas, quando começou o mandato, ela conquistou esse eleitorado. As manifestações tiraram esse eleitor dela e ele nunca mais voltou.

Os padrinhos políticos ajudam?

M.C. – No caso do ex-presidente Lula, sim: 40% dos eleitores declaram que o apoio dele aumenta a vontade de votar em um candidato. Esse índice é o dobro do de outros possíveis apoiadores.

Quais são os pontos negativos que mais atingem os candidatos?

M.C. – No segundo mandato de Lula a economia cresceu muito. A variação da renda média familiar ficou acima da variação do PIB, começamos a caminhar para o pleno emprego. Quando os eleitores elegeram Dilma, eles tinham o desejo de continuidade dessas conquistas. Ela foi eleita para continuar o caminho que fora trilhado por Lula. O que os eleitores pensavam: “A economia está estabilizada e dentro de casa está tudo bem, temos TV, geladeira, carro. Mas fora de casa está ruim. Eu não consigo ser atendido no posto médico; quando preciso de segurança, não sei se volto para casa; não tenho educação de qualidade para os meus filhos”. Aí vieram as manifestações de “educação padrão Fifa”, “saúde padrão Fifa”, “segurança padrão Fifa”. O que os eleitores querem? Que o país avance sem perder o que já conquistaram: “Não quero perder nada, quero mais. E não vem falar que a economia está estagnada”. A economia é sempre o item mais importante na eleição presidencial.

Não se esperava uma influência maior das manifestações na votação dos candidatos?

M.C. – O problema é que elas não tiveram um líder. O ganho delas foi perdido. O eleitor, sem isso, começou a avaliar o cardápio de candidatos pensando qual deles teria mais condições de fazer o país ou o Estado avançarem. Não teve renovação política. O que pesou foi a proposta.

Nas pesquisas, cerca de 70% dos eleitores manifestavam o desejo de mudança. Olhando os resultados, isso não se concretizou no voto. O que ocorreu?

M.C. – O eleitor está cada vez mais pragmático, mais crítico, informado e busca ganhos tangíveis a curto prazo. Escolhe o candidato em quem vê a possibilidade de uma mudança rápida. Ele não quer esperar. Não há muito espaço para ilusões.

No caso do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, cujos índices de aprovação eram muito aquém da votação que obteve para eleger-se em primeiro turno, o que ocorreu?

M.C. – Foi simples. O eleitor pensou: “Entre esses candidatos e o atual governante vou ficar com isso mesmo”. O desejo de mudança não diminuiu. Outra novidade foi que em mais de 30 anos de trabalho com pesquisa, nunca vi o eleitor falar que o governante deve respeitá-lo. Antes desta eleição, a palavra respeito não fazia parte do vocabulário. O eleitor quer ser o protagonista, quer saber por que lhe prometeram algo e não entregaram. Dar beijinho em criança não comove mais ninguém.

Qual seria o maior erro de um candidato em campanha?

M.C. – Do ponto de vista da opinião pública, qualquer ideia que passe a impressão de perder o que já foi conquistado é inadmissível. A estabilidade econômica, a oferta de emprego, os programas sociais são prioritários. Por isso funcionou a campanha do medo contra a Marina.

E as denúncias de corrupção podem derrubar um candidato?

M.C. – Nosso eleitor já tem o pressuposto de que a corrupção faz parte da política. Portanto, nesse aspecto, não existe um candidato melhor do que o outro. As denúncias de corrupção, em muitos casos, são tão complexas que o eleitor médio tem dificuldade de entendê-las. A denúncia aparece, some, a mídia não fala mais. Existem atos concretos. Por exemplo, se aparecer um candidato pegando dinheiro, isso será muito ruim para ele.

Mas e o caso do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, que foi filmado recebendo dinheiro que seria de propina e, no entanto, aparecia como favorito nas pesquisas?

M.C. – Nesse caso, aconteceu que o governador Agnelo Queiroz fez uma gestão tão mal avaliada que tudo passou a ser relativo. O eleitor dizia: “O outro [Arruda] estava roubando, mas estava fazendo”. Agnelo, junto com a governadora do Rio Grande do Norte, Rosalva, aparecia como um dos piores governadores. Arruda era bem avaliado. O crivo da corrupção não é tão linear. O eleitor ainda pensa: “Se ele roubar, mas fizer alguma coisa para mim, estou ganhando mais do que com um que não rouba”.

Durante a campanha o eleitor desconfia das denúncias?

M.C. – Desconfia, sim. E o eleitor parte do pressuposto de que numa campanha sempre haverá denúncias e que na política ninguém é santo.

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Monica Gugliano, do Valor Econômico