Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Uma colcha de retalhos

O segundo turno está chegando. Em muitos lugares, candidatos a governador disputam o tão sonhado cargo político. Porém, a disputa mais aguardada é entre Dilma Rousseff, atual presidente da República, e o senador por Minas Gerais Aécio Neves. Militantes e simpáticos aos dois partidos estão imbuídos de calorosa convicção para a última fase da peleja. As redes sociais estão abarrotadas de “boas” intenções políticas. O que antes eram conhecidos como bottons e estampavam as camisas dos eleitores, hoje, pela web, se transformaram em avatares. Uma espécie de caricatura que fica no canto esquerdo superior da página. Muitos, ainda, não satisfeitos, mudaram o seu cabeçalho e puseram a foto do seu presidenciável de preferência, com direito a pavilhão nacional e tudo mais.

Entretanto, gostaria de me ater à disputa por cadeiras de deputado federal, principalmente no estado de São Paulo. Nestas eleições, dois midiáticos dividiram a preferência dos eleitores: Celso Russomanno e Tiririca. O primeiro teve pouco mais de 1,5 milhão de votos e outro, não tão distante assim, obteve 1,25 milhão de votos. Juntos conseguiram eleger mais seis deputados que não teriam chance alguma de serem eleitos. Segundo o TRE-São Paulo, para eleger um candidato a deputado por São Paulo, o quociente eleitoral seria de pouco menos de 300 mil votos. Para se ter uma ideia da magnitude do efeito desse fenômeno, Russomanno resgatou das cinzas um candidato com 22 mil votos. Isso quer dizer que ele precisaria de mais ou menos 278 mil votos para ser eleito. Pergunto: ele tem representatividade? Não! Mas o partido dele tem? Sim. Mas em quem você vota, no partido ou no candidato? Eis a questão.

Esse quociente eleitoral é determinado pelo código eleitoral brasileiro. No quociente eleitoral divide-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral. O número de cadeiras obtidas pelos partidos corresponde à parte inteira do quociente partidário. Caso a soma das cadeiras obtidas pelos partidos não seja igual ao total de cadeiras, as cadeiras restantes são divididas de acordo com o sistema de médias, também conhecido como distribuição das sobras. A proposta de quociente eleitoral é “garantir” representatividade entre os partidos políticos, isto é, que a assembleia não fique refém deste ou aquele partido. Contudo, nesse caso específico, onde existe uma expressiva votação, os métodos de d’Hondt e de Jefferson não se mostraram tão eficazes.

A mídia como trampolim político

Percebeu-se que a notoriedade de um candidato influenciou, decisivamente, no desempenho do partido. O próprio presidente do PRB, Marcos Pereira, se surpreendeu com as vagas conquistadas que, segundo ele, foram acidentais. De dois deputados, na Assembleia, Russomanno ajudou a puxar mais seis, compondo um total de oito deputados do PRB, sendo que dois foram puxados pela totalidade de votos. O mesmo fenômeno aconteceu com o candidato Tiririca, porém com menos “força”.

A mídia sempre esteve ao lado do poder. O início da odisseia eletrônica, começando pelo rádio, foi marcado pelo uso estratégico do rádio como instrumento político. Ao longo dos anos, desde a década de 1930, percebemos intrincados fenômenos envolvendo o rádio, a TV e, agora, a internet. E este pleito não está distante disso. Em todo o país estamos vendo candidatos a cargos políticos que vieram da comunicação, do esporte, da arte etc., mas o que todos têm em comum é a notoriedade midiática. Até as cidades de médio e pequeno porte elegeram seus “media-candidatos”.

Um recém-eleito vem se transformando em ícone dessa massificação bestializada. Seu nome é Francisco Everardo Oliveira Silva, já o seu nome artístico é Tiririca. Alguns dizem que votam por protesto, outros porque ele é irreverente. E há, também, aqueles que votam pois imaginam que ele faz um trabalho sério.

Na eleição passada, Tiririca foi o deputado mais votado do Brasil. Com o bordão “Pior que está não fica, vote em Tiririca” ele superou a barreira de 1 milhão de votos. Também conseguiu superar as acusações de que ele era analfabeto. Os primeiros projetos do deputado foram apresentados com quatro meses no cargo e destinados à Educação: “Bolsa Livro” e “Bolsa Alfabetização”. E ao longo do seu trabalho parlamentar o deputado ainda fez propostas na área da cultura. Contudo, podemos dizer que a sua atuação é, ainda, muito tímida para um artista.

Democracia à luz da autonomia

Votar em qualquer candidato é democrático? E permitir a candidatura de qualquer um é? Bem, não vou responder antes de tecer alguns comentários. A análise, aqui, não tem nada de profundo ou hermenêutico, apenas hipotético.

O conceito de democracia, segundo a Wikipédia, é este: democraciaé uma forma de governoem que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente – diretamente ou através de representantes eleitos – na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder da governança através do sufrágio universal.

Fiz questão de usar esse conceito, que está em rede, pois é este o conceito da maioria e está acessível a qualquer um. Poderíamos muito bem citar Weber, Marx, Gramsci, Bobbio, Lijphart e tantos outros, mas a ideia, aqui, não é fazer um tratado e, sim, uma analogia, talvez, ingênua.

Outro conceito que gostaria de dividir com o caro leitor é o de autonomia. Para muitas pessoas, autonomia está relacionada à independência. E isso é um erro, pois quando alguém diz que é autônomo para tomar decisões, na verdade ele está afirmando que é autossuficiente para tal, pois nem sempre independência pressupõe autossuficiência. Trazendo, agora, para o debate político, democracia e autonomia estão semanticamente ligados, pois uma atitude democrática deve ser autônoma, isto é, desprovida de qualquer tipo de pressão, sem constrangimento e livre. Porém, ela deve ser essencialmente autossuficiente. Vale, aqui, citar o antônimo de autonomia, conceito criado por Kant, heteronomia – para denominar a sujeição individual ou coletiva.

Conclusão

Para aceitar uma candidatura a um cargo público sempre foi, é, e, acredito, sempre será exigido do candidato autossuficiência. Para isso, o candidato deve comprovar o seu conhecimento, ou seja, sua autonomia para exercer a função ofertada. A pergunta é: cargo político é público ou não? Atrevo-me a responder: Sim! É.

Qual é o grau de autonomia dos candidatos? O grande problema é que a banca responsável por deliberar sobre quem são os melhores para governar o Brasil é composta por nós, eleitores. Somos nós que delegamos poder. E a Constituição brasileira é clara quando afirma que a vontade do povo é soberana. Sim, assino embaixo.

O povo é soberano, mas não é autônomo. Quer uma democracia, mas sem ser autossuficiente. Por enquanto, a melhor estratégia para inibir a entrada de pseudopolíticos é exigir dos candidatos amplo conhecimento político. Que sejam autossuficientes em relação a essa matéria. Sinceramente, não vejo outra saída.

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Luís Fernando Ribeiro de Oliveira é professor de Jornalismo