Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Vivemos atualmente numa sociedade da crítica’

Catedrático da Universidade de Yale, nos EUA, veio ao Rio falar sobre jornalismo e ‘traumas culturais’ no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj

“Estou com 67 anos, sou casado, tenho dois filhos. Um é jornalista em New Orleans. Sempre estudei o jornalismo sob a ótica da sociologia, pois acho tão importante quanto o Estado, o poder, a família, a economia. Poucos sociólogos estudam o jornalismo, que acaba sendo discutido apenas nas escolas de comunicação”

Conte algo que não sei.

Jeffrey Alexander – Eu poderia dizer que as notícias, o jornalismo em si, e o jornalista, estão longe de morrer. O jornalismo está mais poderoso que nunca.

Por quê? De que forma?

J.A. – Claro que há muito menos jornalistas e jornais do que havia antes. Os que falam no fim do jornalismo, no entanto, só observam o ponto de vista econômico da atividade: o fato de os jornais não terem mais anúncios que os sustentem. Mas o jornalismo é também uma comunidade de jornalistas. E jornalistas não são máquinas de gravar entrevistas.

Mas o que são?

J.A. – É uma profissão de pessoas que interpretam os fatos, que fazem críticas, que comparam, que checam narrativas. Se todos podem publicar em blogs, os jornais físicos deixam de ser uma condição.

Muita gente hoje só lê o que repercute nas redes sociais. Isso não mata o jornalismo?

J.A. – O número de pessoas comprando jornais está diminuindo tremendamente, é um fato, e este número vem caindo de geração em geração. Mas isso não quer dizer que o número de pessoas que leem uma notícia caia também. A circulação de notícias nunca foi tão intensa.

Como quantificar isso?

J.A. – É impossível saber ao certo quantas pessoas leram uma notícia, mas uma notícia de bairro no Brasil hoje circula em Portugal e nos países que leem português, assim como uma nota do “El País” circula em toda a América Latina. O “New York Times” é lido em todo o mundo, quando, na origem, surgiu para ser lido só pelos cidadãos de Nova York!

Do que falam suas palestras?

J.A. – Exatamente sobre isso que estamos falando. O que é fascinante nesta crise do jornalismo, por exemplo, e principalmente no jornalismo cultural, é o que aconteceu com a crítica em geral. Eu estou muito interessado na maneira como a crítica, muito por conta dos blogs, e há blogs sobre tudo, hoje em dia permeia tudo.

Qual a consequência disso?

J.A. – Nós vivemos atualmente numa sociedade do consumo, mas também numa sociedade da crítica. Se você quer ir a um restaurante, ao cinema, comprar um móvel ou ir a uma exposição, você pode ouvir a opinião de alguém antes.

Qualquer pessoa deveria fazer crítica, de artes inclusive?

J.A. – Não me refiro à crítica profissional, mas à crítica consumida. Ela continua sendo crítica. O que observo é que não há mais um controle centralizado.

Seu trabalho fala sobre os “traumas culturais”: como a sociedade demanda tempo para lidar com os eventos.

J.A. – Meu ponto é pensar na maneira como os traumas coletivos podem ser usados para entender os individuais. Traumas como guerras ou o ebola, que impactam indivíduos. Mas como isso se torna um trauma coletivo? Como muda ou mina o senso sobre o que somos? Há diferentes maneiras pelas quais o ebola pode ser interpretado coletivamente. De maneira racista, por exemplo, como vem sendo.

Unindo os dois temas: de que forma o jornalismo hoje se relaciona com esses “traumas culturais”?

J.A. – As notícias são a mente coletiva da sociedade. O que o jornalista elege abordar num caso como o ebola é o que constrói ou elucida um trauma.

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Mariana Filgueiras, do Globo