Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Poeira assentada, hora de rever conceitos e práticas

Passada a emoção desequilibrada (se é que existe alguma que seja equilibrada) das eleições presidenciais de 2014, chega a hora talvez de entender um pouco mais do jogo político e apurar nosso próprio senso crítico para, quem sabe em 2016, conversarmos sobre política com um bocadinho mais de maturidade e respeito, consolidando assim (ou tentando chegar mais perto de) uma democracia. E aprender sobre o jogo político passa, entre outras coisas, por estudar um pouco mais da história do país. Não apenas a história passada, mas também, ou sobretudo, a história do presente, que, conforme não canso de falar em sala de aula, é escrita, entre outros, por jornalistas. Sendo assim, apuremos nosso senso crítico quanto aos veículos que formam nossa opinião; verifiquemos se os inúmeros links de periódicos que compartilhamos nos últimos meses respeitam pelo menos os principais pontos daquele documento elaborado em Congresso Extraordinário de Jornalistas, promovido pela Federação Nacional de Jornalistas, e que atende pelo nome de Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (a versão mais atualizada, se não estou enganado, é de 2007).

Nele estão previstas condutas que foram inteiramente desrespeitadas por boa parte do jornalismo brasileiro praticado nos últimos meses. Bom, peraí! Se jornalistas se reúnem para estabelecer condutas éticas em um documento que, como todo código de conduta, prevê punições impostas e apuradas pelos próprios membros da categoria (e não por outras forças de poder), o que acho justo, por que simplesmente não fazer valer o documento? Caso esse documento estivesse realmente no horizonte do cotidiano do jornalista, estaríamos diante de uma categoria madura para lidar com a democracia. Mas sabemos que não foi bem assim que a banda tocou.

A ideia é bonita enquanto ideia apenas: um grupo de profissionais que decide as próprias regras do jogo, para não depender de forças ocultas, e as aplica demonstrando que defende realmente o interesse público.

Autoritarismo e democracia

Porém, está claro que o jogo não funcionou assim; que o interesse público foi subjugado a segundo, terceiro, sabe-se lá que plano; e que parte dos meios de comunicação trataram de interesses que, embora nos esforcemos para entender, mal sabemos quais sejam. No afã de fazer bem esse jogo e alavancar à condição de vencedor o seu melhor patrocinador, alguns periódicos não apenas rasgaram o Código de Ética, que beneficiaria a população, mas também abriram forte precedente para que se volte a falar em regulamentação (que pode ser “democratização” ou simples “regulação”) da mídia. E, ao não admitir que é o próprio afastamento dos princípios mais básicos da profissão que faz crescer essa onda regulatória, as cenas dos próximos capítulos podem ser ainda mais dantescas: poderemos testemunhar, por exemplo, a Veja ser alavancada a símbolo da liberdade de expressão no país.

E por falar nisto, na liberdade de expressão, não façamos desta o conceito inteiro e a prática da democracia. Definitivamente, não!, pois o próprio Código aqui citado determina que, dentre os deveres do jornalista está “opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. E isso eu estenderia também à postura do cidadão comum (entenda-se, não jornalista) que adorou usar as redes sociais para manifestar livremente suas “convicções políticas” supostamente protegido pela liberdade de expressão. Vale lembrar a esses cidadãos comuns e ao jornalismo brasileiro que, numa democracia, o aparecimento das individualidades, das diferentes opiniões, é apenas o ponto de partida, e não o resultado a que se deve chegar. Este, numa democracia de fato, consiste numa construção coletiva, logo não pode desrespeitar vitórias já alcançadas pela sociedade. Uma das mais importantes delas? A Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Não nos esqueçamos. É em momentos em que a democracia demonstra fraquezas e desajustes (e isso é uma constante) que focos de ideias autoritárias se reacendem. O autoritarismo se alimenta da fraqueza da democracia e se a imprensa, na sua maioria, bem como o cidadão comum, no exercício de sua liberdade de expressão, não consegue legitimar o debate democrático, está, ou estamos todos, promovendo o reaparecimento de mecanismos ainda mais autoritários.

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Cristiano de Sales é professor de Comunicação Social