Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O racismo de Estado por trás da pauta

Coma linhaça. Chia e quinoa também. Beba suco verde, com talos de couve. Abuse da água. Cuide com o limão. Pão? Só uma fatia no café. Prefira o integral, com gergelim por cima. Evite carne gorda. Lembre-se que iogurte é funcional e que fazer cocô elimina toxinas do organismo. Caminhe. Medite. Puxe ferro. Se ficar triste, tome Fluoxetina. Se ficar agitado, tome Rivotril.

Dicas dessa ordem têm se multiplicado na imprensa, sobretudo naquela fatia que aposta suas fichas na pauta de serviço ou na pauta para promover o bem-estar. A pergunta é: os veículos de comunicação não estariam, mesmo sem perceber, servindo de meio para a biopolítica moderna? Biopolítica é um termo cunhado pelo pensador francês Michel Foucault (1926-1984) que opera principalmente pelo deixar morrer e pelofazer viver: deixa-se morrer o anormal, o desviado, o pervertido, aquele que não serve à nação, que não consome, que representa uma ameaça à tranquilidade, à moral, aos bons costumes; faz-se viver aquele que é bom, que faz o bem, o querido, aquele que produz, que consome, que se cala.

A política da vida é antiga. Segundo Foucault, existe desde os governos soberanos do Império Romano. Na época, deixava-se morrer aquele que tinha uma peste, que roubava um pão: usava-se cavalos para estraçalhar braços e pernas do infrator em praça pública. Por outro lado, fazia-se viver o homem bom, o obediente, o forte, aquele que podia ir para o exército. Na modernidade, os personagens são outros. Os governos são outros. Mas a regra é a mesma.

O controle do sexo

A biopolítica opera discretamente, por meio de dispositivos sociais como o sexo. Pelos discursos secularizados do poder, o único sexo seguro é aquele do casal hétero. O resto é pecado, imoral, contagioso. Representa uma ameaça à saúde e à vida longa. Nasce aí um controle tanto do corpo individual quando da população, já que as regras do sexo interferem também nas taxas de natalidade e no tipo de classe que pode procriar.

Curioso perceber que, na era moderna, o deixar morrer tornou-se feio e politicamente incorreto, apesar de pouca gente se importar com o extermínio de malditos contemporâneos, como os presos de Pedrinhas. O fazer viver, por sua vez, tornou-se uma obsessão, sobretudo porque a morte tornou-se motivo de vergonha para os governos globalizados.

Nesse contexto, convém perguntar: a imprensa percebe a estratégia biopolítica nos conteúdos que apresenta? Nota que, na pauta de serviço ou bem-estar, pode estar embutida uma política de corpos puros e higienizados? Já considerou que em suas reportagens pode-se ver a mensagem subliminar de um racismo de Estado, que busca pessoas e comportamentos tão arianos como os pretendidos por Hitler?

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Jeferson Bertolini é repórter e doutorando em Ciências Humanas