Há muitas vezes na História, ao lado dos fatos públicos, outros sucedidos nas trevas que frequentemente são a causa verdadeira daqueles e que os explicariam se fossem revelados. Por conta disso, cabe ao jornalismo, com responsabilidade argumentativa e liberdade de expressão, fiscalizar o poder e prestar informações e opiniões relevantes para o público, segundo os direitos e necessidades da comunidade. Conforme explica Eugênio Bucci em Sobre Ética e Imprensa (2000):
“Falar em imprensa livre é falar numa prática de comunicação social historicamente forjada pela modernidade que organiza o espaço público, o Estado e o mercado, segundo o primado dos direitos do cidadão.”
Jornais devem existir porque os cidadãos têm o direito à informação (garantido em todo o mundo democrático, sobretudo desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que estabelece, no artigo 19, o direito à liberdade de opinião e expressão, que inclui a liberdade de “procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” e garantido também no Brasil pela Constituição Federal, artigo 5º – XIV). Sem que esse direito seja atendido, ressalta Bucci, “a democracia não funciona, uma vez que o debate público pelo qual se formam as opiniões entre os cidadãos se torna um debate viciado”.
Quando o poder age no sentido de subtrair ao cidadão a informação que lhe é devida, está corroendo as bases do exercício do jornalismo ético, que é o bom jornalismo, e corrompendo a sociedade. Só os tirânicos percebem a imprensa livre como ameaça, como era o caso de Adolf Hitler. O líder nazista, em Mein Kampf (1932), teve a pachorra de defender a mordaça dirigida às ações jornalísticas:
“É especialmente necessário ter-se a imprensa debaixo da mira porque a sua influência sobre os homens é especialmente forte e penetrante… O Estado não deve perturbar-se pelo brilho da chamada liberdade de imprensa e deixar-se conduzir à falta do seu dever, ficando a nação com os prejuízos… Ele deve, com decisão implacável, assegurar-se desse meio de esclarecimento e colocá-lo a seu serviço e ao da nação.”
“O Brasil nasceu para ser livre”
O ódio e a fúria dos mandões contra a imprensa, na opinião de Fernando Jorge, expressa em Cale a boca, jornalista! (2008), provêm de um “Estado aristoplutocrático”. O neologismo criado por Jorge visa a denunciar o seguinte sistema político que tenta inviabilizar o jornalismo investigativo de qualidade:
“Aristo vem do grego e quer dizer o melhor. Portanto a palavra aristocracia designa um grupo dominante, coeso, orientado por valores tradicionais, palavra que, como salienta o doutor Geoffrey K. Roberts no seu A Dictionary of Political Analysis, serve para indicar uma elite, uma ‘classe alta’, escolhida em virtude de hipotética superioridade de atributos. Elite que decerto é escolhida por si própria, mais ninguém… Plutocracia é um vocábulo derivado do grego ploutos, rico, e krateia, poder. Daí o seu significado: domínio exclusivo dos milionários ou governo exercido apenas pelos ricos. Logicamente, governo oligárquico, e, por conseguinte, um sistema político opressor, tirânico, egocêntrico, desumano.”
Desde a época do Império até os dias atuais, silenciar jornalistas se revela como um dos aspectos mais violentos cometidos pelo Estado aristoplutocrático. Historicamente, existe o empenho de setores éticos do jornalismo brasileiro em levar a verdade dos fatos ao público. Por exemplo, quebrando a rotina e opondo-se aos interesses dos colonizadores portugueses, começou a circular na Bahia, em 1821, o Diário Constitucional, que adotou como divisa os seguintes versos de Camões, presentes no canto V de Os Lusíadas: “A verdade que eu canto, nua e pura/ Vence toda grandíloca escritura!” A tradição de perseguir jornalistas críticos do status quo encontra registro em carta escrita por Luís Augusto May, datada de 06/10/1826, que integra o acervo da Biblioteca Nacional:
“O ministro Andrada e o Imperador mandaram-me esbordoar, como costumam fazer a todos que analisam a sua política. Não é assim, porém, que se sufocará a Verdade. O tempo o dirá. O Brasil nasceu para ser livre. Os brasileiros terão sua liberdade, que hoje se pretende destruir com caceteiros e assassinos. Hoje fui eu. Mas quem nos dirá que um dia a opinião pública se não levantará contra esses que hoje esbordoam jornalistas indefesos?”
O império da mediocridade
Infelizmente, censuras das mais bárbaras até as mais sutis são praticadas constantemente, impedindo que jornalistas possam contribuir para o melhor esclarecimento da opinião pública. O Estado aristoplutocrático historicamente foi formado segundo um ciclo perverso de combinações arbitrárias de poder. Em primeiro lugar, o crescimento da concentração monopolista da economia; na sequência, a decadência da política tradicional; e, por fim, o fato da fusão do poder militar e do poder econômico. Com a transformação das instituições econômicas, militares e políticas em organismos, sobretudo, de ação administrativa, formou-se, então, outro fator estrutural para regular a sociedade de massa e sufocar a sociedade democrática de públicos: a burocratização. A burocracia tem por finalidade promover o interesse das elites econômicas com a exploração das demais categorias sociais.
A elite totalitária vai, aos poucos, quando não o faz abruptamente, monopolizando os meios de comunicação seja através do seu aparelho administrativo de censura, seja da máquina de financiamento ou, ainda, pelo cancelamento de concessões ou medidas protecionistas cambiais e econômicas. Em termos de política editorial, o jornal, perigosamente, se torna mais propenso a divulgar entretenimento do que mensagens informativas e úteis. Conforme adverte Luiz Beltrão, em Sociedade de massa: comunicação & literatura (1972): “As mensagens de entretenimento – e também as de persuasão em considerável volume – destinam-se, sobretudo, a alienar o receptor e possibilitar-lhe a evasão.” Salvar a imprensa do império da mediocridade é preciso. Como bem reza sua história de resistência, o jornalismo livre está na base de uma situação interativa no ato de pensar, na criação de conhecimento fundada na pergunta, na dúvida e no diálogo entre sujeitos epistemologicamente curiosos.
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Marcos Fabrício Lopes da Silvaé jornalista, poeta,doutor em Estudos Literáriose professor da Faculdade JK, no Distrito Federal