Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Da política e economia à polícia

Nestes dias incríveis de altos funcionários de estatais detidos em celas comuns da carceragem da Polícia Federal, no Paraná, ao lado de milionários executivos das maiores empreiteiras do País, uma história de jornalismo vivida na antiga redação de A Tarde, na Praça Castro Alves, em Salvador, não me sai da cabeça.

Na época era o general Ernesto Geisel quem mandava na Bahia e no Brasil. E ele acabara de escolher o banqueiro presidente do Grupo Econômico, Ângelo Calmon de Sá, para ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio do seu governo. Festa na Bahia, porque Ângelo Sá, então, era uma espécie de príncipe da elite local, misturado com a fama de empresário prodígio das finanças, da indústria e dos negócios em seu estado e da economia nacional.

Alvoroço na redação do jornal onde eu trabalhava, na época, e o novo ministro era considerado “um filho da Casa”. Nervosismo e corre-corre para produzir “uma edição de primeira sobre a grande escolha”. O chefe da Fotografia, Romualdo Bahiense, entrega ao editor da primeira página, Fernando Rocha, as melhores imagens disponíveis do novo ministro, incluindo as do Arquivo. Fernando “Bananeira” escolhe algumas e devolve o envelope amarelo.

Walmir Palma, notável e saudoso repórter de Polícia, observa a cena e aparenta ser o único tranquilo no meio da tensão infernal do fechamento da edição histórica. Sentado na sua mesa habitual ele trabalha na edição da última página, a de Polícia. Vê Romualdo saindo com o envelope de fotos de Ângelo Sá e o chama discretamente ao lado da sua mesa. Pede o pacote, retira uma fotografia do ministro e a guarda rapidamente na gaveta. Devolve o envelope e Bahiense deixa a sala com “as sobras”.

“Conteúdo humano”

Observo tudo sentado na mesa de redator, ao lado de Fernando, e não resisto à curiosidade. Vou até Palma e, cheio de dedos, pergunto o motivo da foto do novo ministro guardada a chave na sua gaveta. A resposta é direta e sábia.

– É só precaução para poupar trabalho depois. Essa turma de “porretas” da economia e da política começa na primeira mas pode acabar na última, a minha página de Polícia. Aí, em geral, as fotos somem do arquivo.

Na mosca, anos depois, no caso do ministro baiano Ângelo Sá.

Na reportagem assinada esta semana por Pedro Cifuentes, o enviado especial do El País a Curitiba – olho do furacão do escândalo sem tamanho da Petrobras –, temos uma narrativa fora do usual das aspas retiradas dos inquéritos policiais, nas confissões premiadas, nos “vazamentos” da PF e na louca ginástica verbal de advogados pressurosos em redesenhar perfis no esforço para tirar seus clientes das celas de detenção, ponto de partida crucial na montagem de qualquer defesa.

Onze deles já caíram fora esta semana. Alguns deixaram a carceragem da Polícia Federal com os rostos escondidos em casacos de grife, improvisados como capuzes protetores da desonra. A edição brasileira do importante diário espanhol cumpre uma pauta preocupada em revelar, também, aspectos da convivência pessoal de mais de duas dezenas de acusados de envolvimento no caso que, só pelos ingredientes já revelados até aqui (e mais alguns ainda a saber), tem tudo para ocupar o primeiro lugar no ranking das mais espantosas falcatruas da história do Brasil. Incluindo o recente Mensalão, que nas palavras do ministro do Supremo, Gilmar Mendes, não passa de “pequenas causas” diante do Lava Jato.

El País fala dos milionários executivos acusados de organização criminosa, corrupção, fraude na Lei de Licitações e lavagem de dinheiro no caso Petrobras, “lavando sua roupa sob o sol, com a permissão de caminhar pelo recinto penitenciário até o começo da noite”. O texto tem mais revelações “de conteúdo humano”, que leio com atenção, observando as fotos dos personagens e recomendo.

Mas paro por aqui. Depois, recordo com saudade, muita saudade de Walmir Palma. Sábio e visionário mestre do jornalismo de Polícia da Bahia.

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Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta