Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Reflexões sobre o consumismo

Nesta época do ano, em que comprar compulsivamente é a principal preocupação de boa parte da população, é imprescindível refletirmos sobre a importância da mídia na propagação de determinados comportamentos que induzem ao consumismo exacerbado. No clássico livro O Capital, Karl Marx apontava que no capitalismo os bens materiais, ao serem fetichizados, passam a assumir qualidades que vão além da mera materialidade. As coisas são personificadas e as pessoas são coisificadas. Em outros termos, um automóvel de luxo, uma mansão em um bairro nobre ou ostentar objetos de determinadas marcas famosas são alguns dos fatores que conferem maior valorização e visibilidade social a um indivíduo. Lembrando um poema de Drummond, na sociedade de consumo a essência do “eu” está intrinsicamente associada à “etiqueta” que o sujeito usa. Nesse sentido, como bem afirmou o sociólogo Herbert Marcuse, o papel da publicidade é propagar hábitos e valores consumistas, fomentando assim “falsas necessidades” e desejos ilusórios na população em geral.

Segundo a Constituição Federal, as redes de televisão, que são concessões públicas, teriam como principal função a difusão da cultura nacional para o grande público. Entretanto, ao contrário do recomendado pela nossa Carta Magna, as emissoras comerciais brasileiras estão exclusivamente a serviço de seus poderosos anunciantes, concebendo os telespectadores apenas como bons consumidores em potencial. Praticamente toda a programação, direta ou indiretamente, é voltada para vender determinados produtos. Durante os intervalos comerciais dos programas infantis, a persuasiva publicidade feita para crianças garante que desde a mais tenra idade os brasileiros introjetem hábitos inerentes à sociedade de consumo. Ou seja: “Você vale pelo que você possui, não pelo que você realmente é.” Ter várias bonecas Barbies ou se tornar uma princesa da Disney é o sonho de toda menina. Para os meninos, os videogames de última geração e outros tipos de jogos eletrônicos. É o processo de socialização para o mercado.

Já os adolescentes formam o público mais vulnerável à propaganda. Em uma fase da vida em que a adesão ao grupo é mais importante do que a afirmação da individualidade, a publicidade oferece aos jovens a ilusória possibilidade de aceitabilidade social ao envergar a roupa da moda ou utilizar um tênis de marca. Lembrando as ideias de Zygmunt Bauman, o consumismo dos dias hodiernos é a uma “festa” onde todos são convidados, pois praticamente toda a população está exposta aos mecanismos persuasivos da publicidade, mas poucos podem efetivamente entrar. Sendo assim, a tentativa de jovens negros da periferia em participar da “festa do consumo”, ao frequentarem shopping-centers em bairros nobres, como foi o caso do famoso “rolezinho”, causa grande mal-estar para as elites econômicas. Em situações mais radicais, o grande desejo por consumo faz com que muitos jovens ingressem no mundo do crime. Se em outras épocas a ansiedade de suprir necessidades básicas como alimentação e abrigo levava indivíduos às atitudes mais radicais e a atividades ilícitas, em nossa sociedade de consumidores o desejo de suprir “necessidades sociais” (um celular ultramoderno, o melhor vestuário, frequentar os lugares da moda) parece ser o principal motivo que leva adolescentes para a criminalidade.

A mercantilização das esferas da existência

O fascínio exercido pela publicidade midiática não é diferente em adultos. Em nossa pós-modernidade, a máxima cartesiana “penso, logo existo” foi substituída por “consumo, logo existo”. Conforme é do conhecimento de todos aqueles que estudam a mídia, o merchandising (quando uma marca, logotipo, ou produto aparece em uma ou mais cenas de atrações televisivas) é uma técnica publicitária amplamente difundida em nossos principais meios de comunicação. São notórios os casos de programas de auditório que interrompem incessantemente seus quadros para anunciar um produto. Por meio da “fábrica de sonhos” do Projac, a Rede Globo lança os padrões de consumo a serem seguidos por milhões de telespectadores. Desse modo, não é por acaso que minorias como negros e homossexuais só aumentam sua representatividade em telenovelas quando melhoram seu poder financeiro. Por sua vez, as transmissões de futebol nos trazem uma grande dúvida: os atletas estão representando realmente as cores dos seus clubes ou as marcas das empresas que estão estampadas na maior parte de seus uniformes? Diante desse contexto, também não é por acaso que a chamada “nova classe média”, procura no consumismo exacerbado, e não no completo exercício da cidadania, a melhor maneira de legitimar sua ascensão social. Consequentemente, temos milhões de indivíduos com bom poder aquisitivo, mas parca capacidade intelectual.

A influência dos anunciantes também se estende ao setor jornalístico, pois notícias que possam desagradar grandes conglomeradas, como a devastação ambiental causada por algumas empresas, jamais serão colocadas no ar. Sendo assim, é imprescindível acabar com o vergonhoso oligopólio midiático que impera no Brasil. É preciso que os principais meios de comunicação de nosso país promovam valores humanitários e não sejam simples balcões de anúncios.

Por outro lado, é importante salientar que o consumismo pode causar danos ambientais e sociais irreversíveis. É consenso entre a comunidade científica mundial que o nosso planeta não possui recursos suficientes para sustentar a crescente demanda por matéria-prima. Não obstante, atrelar o bem-estar individual ao poder de compra faz com que o indivíduo deposite toda a sua esperança de felicidade em mecanismos alheios ao seu controle, fato que pode vir a trazer graves transtornos psicológicos, pois é praticamente impossível seguir todos os modismos impostos pelo mercado. Já o Natal, festa criada pelos cristãos para substituir antigos rituais pagãos relacionados ao solstício de inverno, ao invés de promover a solidariedade entre os povos, transformou-se na maior celebração do consumismo mundial. É o sistema capitalista com sua grande capacidade de mercantilizar todas as esferas da existência.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG