Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais jovens pobres nas universidades, mais debates

Leu-se no dia 13/01, no sítio do Brasil Econômico, um artigo intitulado “Jovens de classe média e baixa avançam nas universidades“. Em alguns poucos gráficos e números, a matéria mostra aquilo que de fato vimos acontecer na última década em nosso país (quem trabalha em universidade sabe disso). Seja por projetos de financiamentos implementados pelo governo federal, seja pela ampliação e descentralização de institutos de ensino superior ou até mesmo por um aumento na renda familiar, o fato é que mais jovens de classes historicamente não favorecidas estão hoje cursando uma faculdade ou universidade. Ressalva seja feita contra esse conceito de classe média, que é um tanto questionável. Os jovens historicamente não favorecidos não ascenderam à classe média. Mas estão frequentando faculdades, e esse é um dado que não pode ser desprezado.

Poderia ser melhor? Claro que sim! Sempre pode. Poderíamos estar comemorando o salto qualitativo e não apenas o quantitativo? Sem dúvida que sim. Mas pergunto: seria tão vantajoso assim atacarmos antes a qualidade do que a quantidade? Não estaríamos assim favorecendo apenas os já inseridos e consolidando com isso a perigosa conversa da meritocracia? O ideal seria atacarmos tudo junto? Creio que sim. Mas na circunstância em que nos vemos submetidos desde o fim da ditadura militar, meados dos anos 1980, o ataque pelo viés quantitativo ainda é melhor do que a estagnação em que vivíamos durante a década de 1990 com as políticas liberais.

Nos últimos seis meses, pelo menos, vi, ou melhor, li muitos jovens de cerca de 20 anos participando do debate político em redes sociais de maneira até comovente, dada a vontade que manifestaram de participar de alguma construção democrática; aliás, dada até mesmo a vontade de entenderem e quererem fazer parte da tal democracia. Bom, na minha ingenuidade eu diria que não precisamos de esforço nesse sentido, pois já fazemos parte da democracia. Não precisamos conquistar um espaço para nos sentirmos parte dela, basta ocuparmos os espaços em que já estamos. Atuar na democracia não demanda necessariamente entender do palavratório que mais faz afastar o povo da política do que inseri-lo. Atuar na democracia tem mais a ver com uma tomada de consciência. Perceber-se, saber-se parte dela. E isso já somos.

Daí meu entusiasmo ao ver os jovens, muitos deles alunos da faculdade particular onde leciono, ocupando os espaços e se posicionando sobre os assuntos da República. Isso por si só já é um sinal de que as coisas não estão indo todas para o ralo. Um “viva” à internet! Que foi idealizada como plataforma bélica e hoje tem sido usada, entre outras coisas, para combater os próprios ideais propagados pela cultura bélica. Um “salve” a esse instrumento que veio ampliar e complexificar as conversas e depor a favor da democracia, mesmo que por meio delas, democracia e internet, o pau feche.

Os problemas que surgem

Realmente gosto de ver esse jovem de 20 anos (e eu só tenho um pouco mais do que isso) fazendo acusações, demonstrando indignações contra os governos, compartilhando fontes nem sempre oficiais e por meio desses simples gestos construindo eles sim um sistema absolutamente inacabado e imperfeito que pode ser chamado de democracia. Sou fã de tudo isso.

Porém, claro, não nos bastam a vontade e os confetes. Se querem participar, estejam preparados para a contradição, para verem expostos seus próprios equívocos (entenda-se também, claro, os meus próprios equívocos).

Se você tem 20 anos, significa que pouca memória armazenada possui de governos anteriores ao vigente, que já soma 12, pois as chances de ter sido um leitor de páginas de política ou de ter parado em frente a um telejornal aos oito anos de idade não é lá muito grande. Porém, obviamente, se não temos registrado na memória a história recente, o que nos cabe é buscarmos as informações em fontes e arquivos. Feito isso podemos continuar, porém agora de maneira mais fundamentada, mirando nosso arsenal de rancor e desejo de mudança para o atual governo.

Surgem aqui, dois problemas. 1) está o jovem de 20 anos tentando, por meio de jornais, internet, livros etc., recuperar as informações que lhe faltam na “memória política”? Ou ele apenas tem consultado o adulto mais próximo (e muitas vezes mais autoritário) para saber o que rolava no quesito educação em nosso país quando ele era ainda criança? 2) em caso positivo, de ele ter corrido atrás das informações que recobrem a impossibilidade de memória, seria possível exigir uma troca do governo atual por um outro que seja mais atuante na área da educação?

O compromisso de mudar

Para a primeira pergunta, desejo que a resposta seja: sim, os jovens estão correndo atrás das informações que lhes faltam e não apenas reproduzindo as ideologias (ou falta delas) dos parentes-adultos sem paixão. E para a segunda pergunta, a resposta também pode ser sim. Sim, podemos trocar esse governo por um que faça mais pela educação do país. Porém, se esse jovem indignado, que acredita tanto que educação seja um caminho sólido e que grita por mudança, buscar na história recente do país o que era o acesso ao ensino superior quando era criança, ele vai entender que mudança (se entendermos isso como transformação) tem que ser feita com critério e fundamentação. No nosso caso, o do Brasil dos últimos 20 anos, mudança transformadora não significa voltarmos às ingerências de 12 anos atrás, isso no máximo poderia ser chamado de alternância (ideia que também respeito). Pois, para refrescar a memória dos que odeiam incondicionalmente o atual governo pelo fato de ele ser PT, nos governos dos liberais da década de 1990 simplesmente não havia políticas de acesso às universidades; foram oito anos de estagnação no quesito educação superior.

Políticas de acesso ao ensino superior, gostemos ou não dos partidos que têm promovido isso, pode consistir numa melhor preparação do jovem até mesmo para lutar contra os desmandos dos governos. Pois o jovem mais bem instruído pode entender quais os pontos que valem e devem ser combatidos nos diferentes governos. Nesse, que tem promovido o acesso à educação, por exemplo, o que deve ser combatido é a corrupção, o conceito desumano de desenvolvimento, o discurso demagógico que muitas vezes mente para a população, a sede por poder, enfim, pontos que aqueles governos de quando éramos crianças (eu já adolescente) praticavam com sobra de cinismo.

O ato e o compromisso de mudar não pode ser única e tão somente confundido com o ato de alternar, como parte dos jovens-debatedores-sedentos-de-democracia parece ter interpretado na última eleição. Uma mudança efetiva pode e deve começar com o estudo. Que seja da história recente do país.

Que os motivos dos jovens para combater os desmandos dos governos não sejam os motivos de uma geração que já tem seus votos definidos antes mesmo das corridas eleitorais (e que preguiçosamente chamam a isso de ideologia), que nossos motivos de combate e contestação nasçam das coisas que ainda não sabemos, a partir de nossos estudos.

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Cristiano de Sales é professor de Comunicação Social