As relações entre o Brasil e a Alemanha datam de 22 de abril de 1500, dia do descobrimento da “Ilha de Vera Cruz” – primeiro nome dado ao território – pela esquadra de Pedro Álvares Cabral, cujo cosmógrafo alemão, Mestre João (Meister Johann), de Emmerich, lavrou a ata da avistagem na costa de Porto Seguro.
A participação ativa alemã foi uma constante nos primeiros cem anos da Conquista, tanto espanhola, como lusitana. Endividado, em 1528, Carlos V – imperador da Alemanha e rei da Espanha – leiloou o território do Alto Orinoco aos banqueiros da dinastia Fugger, de Augsburgo, nomeando Ambrosius Ehinger como primeiro governador da atual Venezuela.
Em Madri e Lisboa, a mesma dinastia mantinha filiais de seu império, desempenhando-se como patrocinadora da expedição de Fernão de Magalhães e como patrões do judeu sefardita converso, Fernão de Noronha. No vasto litoral do Nordeste, Noronha comandava a extração de pau-brasil para os Fugger e foi descobridor do arquipélago que o imortaliza.
O fim do “Sacro Império Romano de Nação Alemã” sinaliza o declínio da influência germânica no Novo Mundo, que no Brasil só voltaria a brotar no início do séc. XIX, com o casamento de D. Pedro I com Leopoldina de Habsburgo e o início da emigração alemã ao Brasil, inaugurada com a contratação de 3.000 mercenários em Hamburgo, que de 1825 a 1828 serviram como bucha de canhão na Guerra Cisplatina.
Na Primeira e Segunda guerras mundiais, apesar das excelentes relações com o Império e a República alemãs, o Brasil tomou o partido dos aliados ocidentais, capitaneados pela Grã Bretanha e os EEUUA como potência emergente.
É nas décadas de 1960 e 1970 que os dois países voltam a intensificar suas relações, sobretudo com bilionários investimentos alemães no Brasil, em montadores de veículos (VW, Daimler Benz, DKW), aço (Mannesmann), máquinas, eletrotécnica (Siemens), química fina e farmacêutica (BASF, Bayer e Hoechst).
Anos antes, em 1952, o almirante Álvaro Alberto, fundador do CNPQ, protagonizou um acordo nuclear secreto com cientistas vinculados ao projeto da bomba atômica de Hitler, que construíram clandestinamente dois protótipos de ultracentrifugação de urânio, depois emparedados na USP sob pressão norte-americana, mas testados exitosamente até a década de 1990 como modelo do futuro programa nuclear paralelo, da Marinha, em Iperó, São Paulo. Programa entendido como paralelo porque se desenvolveu à margem do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha de 1975, que articulava a primeira aliança estratégica contra a política de não-proliferação dos EUA, mas que ruiu definitivamente durante o governo Fernando Collor.
Hoje, operam no Brasil cerca de 1.200 empresas alemãs, de pequeno, médio e grande porte, empregando aprox. 250.000 trabalhadores, com investimentos diretos da ordem 20,0 bilhões de dólares.
Na América Latina, o Brasil ainda é o maior parceiro comercial da Alemanha, superavitária. Em 2013, as exportações alemãs alcançaram 15,0 bilhões de dólares, já em sentido inverso, o valor das exportações brasileiras à Alemanha foi de apenas 8,0 bilhões de dólares.
Segundo maior investidor direto no Brasil até o final de 1990, a matriz do relacionamento mudou. Hoje a Alemanha concentra suas maiores aplicações na União e Leste Europeus e na China, priorizando no Brasil negócios com tecnologia de ponta nos setores de energias renováveis, infraestrutura e logística.
Quando abordadas pelos meios de comunicação, as respectivas Diplomacias costumam qualificar de “excelente” o relacionamento entre Brasil e Alemanha, qualidade que não se pode estender ao trato conferido pelos meios de comunicação alemães quando o assunto é Brasil.
Antes e durante a Copa do Mundo 2014, a revista Der Spiegel – espécie de régua e termômetro da maioria das mídias alemãs – publicou uma série de matérias de teor implacável sobre o Brasil e o governo Dilma Rousseff. Meses depois, durante a campanha política para a presidência, o serviço online da Deutsche Welle, emissora estatal, publicou uma série de reportagens e artigos de opinião com mal disfarçada preferência pela candidatura da “ecologista” Marina Silva, ecoando suas críticas à administração petista. Como espécie de “terceiro round” da campanha, confirmada a vitória de Dilma Rousseff, imprensa escrita e eletrônica alemã reverberaram então as pressões e manipulações – de ações e informações – das bolsas, cobrando da reeleita medidas para “reconquistar a confiança dos mercados”.
Este é o tema da entrevista com Harald Neuber que, em tráfego de mão dupla, também me fez perguntas sobre o governo Dilma Rousseff, o PT, a Copa do Mundo e a discussão brasileira sobre regulação do mercado de mídias – conversa que se pode acessar em alemão no portal Amerika 21 desde 1º de janeiro: “Das Brasilien der deutschen Medien“ (O Brasil das mídias alemãs) – mas em cuja versão para o GGN me limito a reproduzir principalmente as respostas de Neuber, por considerar as minhas próprias relevantes apenas para o público leitor alemão.
Harald Neuber é licenciado em Estudos Latino-Americanos, trabalhou como jornalista no México, em Cuba e na Venezuela, desempenhando-se também como correspondente na Colômbia e nas guerras dos Balcãs, do Iraque, Paquistão, Afeganistão e na Jordânia. É fundador do portal Amerika 21, correspondente na Alemanha da agência cubana Prensa Latina e colaborador de diversas mídias gráficas e digitais, tais como “Telepolis” e o periódico basco “Berria”.
Abro a entrevista com uma canelada: os alemães adoram a caipirinha, as praias e as mulheres brasileiras – não necessáriamente nesta ordem depreciativa – e sabem ganhar um bom dinheiro com suas empresas no Brasil. Contudo, este mesmo país, ainda ontem considerado exitoso, é tratado com uma estranha dose de maledicência e desprezo pela maioria dos meios de comunicação alemães. Não lhe parece algo esquizofrênica essa imagem fragmentada e ambígua do Brasil em seu país?
Harald Neuber – Essa é sem dúvida uma abertura provocadora, mas acho que não podemos falar de uma única imagem do Brasil construída pelos alemães. Na opinião pública alemã circulam várias imagens e discursos sobre o Brasil. Por um lado, temos aquele clichê quase clássico do Brasil, intensamente moldado pelo turismo e vivências culturais: as praias e a Bossa Nova como manifestação precoce de música globalizada, mas com profundas raízes autóctonas. Por outro lado, existe na Alemanha um olhar mais apurado, que reconhece no Brasil um país moderno, emergente, como importante sócio do grupo dos BRICs. Enxerga-se um país que defende seus próprios interesses quando se fala em desenvolvimento, interesses que mais e mais contradizem os interesses do G7. Por isso mesmo, esse Brasil moderno é frequente objeto de comentários desfavoráveis.
Esse fenômeno dos discursos sobrepostos, das diferentes realidades midiáticas, também se pode observar no caso de Cuba e é legítimo suspeitar-se de uma abordagem esquizofrênica pelas mídias. Vejamos por que. Por um lado, milhares de alemães viajam anualmente para Cuba e o Brasil. e uma vez desembarcados, em seus destinos percebem países que funcionam perfeitamente. Quando voltam à Alemanha, leem que “na verdade” o colapso econômico desses países são favas contadas. O que acontece? As pessoas vivenciaram uma realidade e em casa são confrontadas com uma desconstrução midiática que nada tem a ver com a realidade.
Fazendo breve retrospecto, pode-se afirmar sem grande margem de erro, que na década 2003-2013, a cobertura sobre o Brasil pelos principais jornais e canais de TV alemães foi marcada por um tom amigável, simpático ao Brasil, com o que não estou dizendo que os correspondentes estrangeiros devam atuar como o velho cachorrinho da RCA, ouvindo, calados, a “voz do dono”. Muito pelo contrário. Porém e de repente, já no início do governo Dilma Rousseff, figurativamente falando, a maré vazou e virou ressaca, dando lugar a matérias rancorosas sobre o Brasil. Como explica essa inversão de tendência e como descreve a imagem do Brasil na Alemanha, nesta passagem de ano?
H.N. – Essa é uma observação interessante, da que eu não tinha me dado conta com tanta clareza até agora. Mas eu desconfio que tem a ver com o que eu já disse anteriormente: na medida em que são tangidos interesses dos países centrais, mudam os discursos da cobertura da mídia. O contexto latinoamericano é ilustrativo, durante o governo do presidente Hugo Chávez, extrovertido e provocador, a Venezuela foi tratada como verdadeiro objeto do opróbio pelo jornalismo ocidental. O que não quer dizer, como você bem lembrou, que não se deva criticar a política e a economia do país. Ocorre que quase nenhum jornalista ocidental se esforçou em iluminar os verdadeiros bastidores da Venezuela, em questionar supostas realidades midiáticas, realizando suas próprias pesquisas. Uma exceção foi meu colega precocemente falecido, Manfred Bleskin, do canal n-tv, que falava um Português excelente e que tinha por hábito ouvir a rádio portuguesa logo cedo de manhã. Alguns anos atrás, ele tinha viajado para a Bolívia, e quando voltou, disse: “Mudou completamente minha análise do processo e minha imagem do país”. Este questionamento exemplar é coisa cada vez mais rara nos meios de comunicação e é por esta razão que a cobertura jornalística alemã do Brasil é marcada mais por interesses econômicos e políticos do que por fidelidade aos fatos.
Em 2014, a Der Spiegel capitaneou uma campanha rancorosa e repleta de meias verdades contra a Copa do Mundo no Brasil, cuja apoteose foi a capa da edição de 12 de junho de 2014, com o título “Tod und Spiele” – “Morte e jogos”. O lead dessa matéria dizia: “Brasil: gol contra. Justamente no país do futebol, a Copa do Mundo poderia ser um fiasco: manifestações, greves e tiroteios em vez de festa. Os cidadãos estão furiosos por causa dos estádios caros e dos políticos corruptos. Ademais, sofrem com a estagnação da economia (…) – uma evidente intimidação de milhares de alemães que intencionavam viajar ao Brasil e assistir aos jogos da disputa, cujo fracasso total era previsível segundo a revista. Já o desenrolar da Copa foi um êxito reconhecido internacionalmente, os torcedores retornaram ao seu país, cobrindo o Brasil e sua gente de elogios, o que, colocado na balança, foi um redondo gol contra da própria Der Spiegel. A que interesses você atribui jornalismo tão malicioso e tendencioso?
H.N. – Não posso responder por um meio para o qual não trabalho, mas penso que posso, sim, questionar um megaevento como a Copa do Mundo, principalmente o papel da FIFA. Pode e deve-se questionar, quem, afinal, ganha com um evento desses, mas o importante é deixar claro o objetivo de uma cobertura crítica. Em algumas ocasiões, durante a Copa, eu tive a sensação de que alguns correspondentes ocidentais estavam obcecados em encontrar “provas” para o fracasso do evento, por assim dizer colocando chifre em cabeça de cavalo.
Um correspondente da BBC dedicou uma reportagem inteira a uma escada frouxa na entrada do Maracanã. Não estou dizendo que esse não seja um tema, mas ocorre que essa “cobertura-problema” foi a que se sobrepôs durante muitos dias, o que ocorreu em detrimento das justas críticas à FIFA e os grandes negócios do futebol, feitas de modo legítimo por movimentos sociais. O que sigo me perguntando é se o governo brasileiro também não estava perdido no meio do tiroteio, afinal de contas, essa polêmica associação internacional do futebol voltou para casa embolsando lucros bilionários – o que sobrou para os pobres do Brasil? Esta questão não deveria ter sido enfrentada de modo mais ofensivo pelo governo do PT?
Sem dúvida, mas foi o preço que o governo se dispôs a pagar por uma aposta diplomática da era Lula: atrair para o Brasil a Copa e os Jogos Olímpicos de verão de 2016 para escalar o Brasil como global player, com isso também ampliando o círculo de países apoiadores de sua reivindicação de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, etc. A escolha do Brasil como país-sede de ambos eventos foi uma espécie de coroação diplomática daquela fase de crescimento robusto de 7,0% ao ano, com honrarias de “Homem do Ano” prestadas a Lula pelo Forum Econômico de Davos e as revistas Times, Forbese o El País. Mas em 2013, este cenário já pertencia ao passado, durante o governo Dilma Rousseff a euforia externa tinha virado pó. Apesar da inflação em lento ritmo de aumento, a presidenta deu ênfase ao mercado interno, mantendo integralmente os programas sociais do governo, ao mesmo tempo tocando obras de infraestrutura, entre as quais as destinadas à Copa. E de certo modo foi exitosa, apesar do “fogo amigo” nos bastidores e da brutal campanha dos meios de comunicação nacionais contra seu governo.
Mas voltando ao modus operandi das mídias alemãs, quero recordar que, ainda estudante, em Berlim, e de volta ao Brasil, na década de 1980, acompanhei atentamente pelos jornais, pelo rádio e pela TV o trabalho de alguns correspondentes alemães na América Latina, alguns deles baseados no Brasil. Exilado no Uruguai desde a época da ditadura hitlerista, de Montevidéu o já saudoso e lendário Hermann P. Gebhardt cobria o Cone Sul para o Frankfurter Rundschau, que à época mantinha uma linha editorial liberal de esquerda, que contrastava com a do jornalão conservador Frankfurter Allgemeine, cujo correspondente no Brasil durante trinta e tantos anos foi Martin Gester. Para o Tagesanzeiger, de Zurique, escrevia Romeo Rey, autor do livro Im Sternzeichen des Che Guevara(Sob o signo estelar de Che Guevara). O correspondente da Süddeutsche Zeitung, de Munique, era Carlos Widman, e o canal de TV ZDF mantinha no Rio de Janeiro o Klaus Eckstein, completando um quarteto de respeitáveis correspondentes que escreviam contra a maré das boas relações entre as ditaduras sul-americanas, o big bussiness e o governo alemão. Mas essa geração, na verdade duas, não atuam mais. O que escrevem hoje os mesmos jornais sobre o Brasil, de onde extraem suas informações?
H.N. – Quando eu dou minhas palestras sobre a cobertura dos meios de comunicação alemães, digo frequentemente, “deem uma olhada na página da internet do Tagesschau [Nota: jornal nacional da rede ARD de TV Pública, produzido pela NDR TV de Hamburgo]. Em seu arquivo é possível rever programas gravados 20 anos atrás”, época em que correspondentes faziam cobertura direta até mesmo dos menores países da América Central. Hoje, em comparação, a cobertura sobre toda a América Laatina é feita a partir de 3 bases apenas: ou Cidade do México, ou Buenos Aires, ou Rio de Janeiro. Não quero dizer com isso que as e os colegas trabalhem mal, mas a racionalização, o enxugamento de custos obviamente fez cair a qualidade da cobertura. Em vez de pesquisar in situm, os “correspondentes” usam como fonte as mídias do país sobre o qual escrevem, e essas não costumam ser boas conselheiras. Porque não apenas no Brasil os grandes grupos de mídias se voltam contra as políticas sociais e econômicas do governo. Na Venezuela, Bolívia ou no Equador as mídias atuam de modo ostensivo, como inimigos não declarados dos governos. Isso ocorre porque em sua maioria estão vinculados a grupos econômicos que sentem seus interesses prejudicados pelos respectivos governos. Na Venezuela grupos de mídia participaram do golpe de 2002 [Nota: contra Hugo Chávez]. Não seria errado afirmar que parte dos meios privados de comunicação atua como partido político. Minha curiosidade é saber se a presidenta Dilma Rousseff pretende mesmo abraçar a causa da regulação de mídias em seu segundo mandato.
É o que grande parte do Brasil também quer saber. A presidenta acenou com uma regulação de caráter econômico, de descartelização semelhante à da Argentina, sem interferir em conteúdo, quem dirá instituir a “censura”, como inferem comentários quiméricos, invencionices de alguns articulistas a soldo. O novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, advertiu que o projeto será efetivado com planejamento e tranquilidade, “sem nenhum tipo de ansiedade” – esperemos, pois.
Voltando às oscilações da cobertura alemã sobre o Brasil. No início do governo Dilma Rousseff, a presidenta era descrita como personagem honrosa que arriscara sua vida no combate à ditadura. Nos dois últimos anos mudou o tom, quando ela passa a ser descrita como suspeita de corrupção e de “enterrar” a Economia – como se a União Europeia, afetada por crise sem fim, e a Alemanha, com seu pífio crescimento de 0,8% em 2014, vivessem em um mar de rosas e fossem lá um paradigma de bom desempenho. Isso ainda é jornalismo que pode ser descrito como probo?
H.N. – Veja, é exatamente o que eu queria dizer com “iluminar os bastidores”. Obviamente, um jornalista alemão pode e deve examinar a situação econômica do Brasil, mas enfatizar a necessidade de crescimento em meio à crise enfrentada pela União Europeia é tanto quanto grotesco. No meu entendimento, por trás dessa cobrança articulam-se programadores de opinião, e lhe dou dois exemplos. Na Alemanha, os principais formadores de opinião que definem a imagem da América Latina nos meios de comunicação, são as fundações dos principais partidos políticos. Diferentemente da maioria das mídias, essas fundações têm seus escritórios e operam múltiplas redes no Hemisfério Sul. Desse modo, elas podem disponibilizar constantemente especialistas para entrevistas. O que os jornais não querem admitir é que, por exemplo, um representante da Fundação Konrad Adenauer [Nota: do partido democrata-cristão, governista] defendará em suas declarações uma opinião devidamente impregnada da orientação política de sua fundação e partido político. Um caso extremo foi o da Fundação Friedrich Naumann, do partido liberal (FDP), que em 2009 apoiou o golpe de Estado em Honduras. Mas este problema foi devidamente resolvido pelos eleitores alemães: desde 2013 os liberais não estão mais representados no Congresso, desapareceram do cenário parlamentar.
Além das fundações partidárias, como formadores de opinião também atuam diversas instituições de pesquisa, de financiamento público, como a Stiftung Wissenschaft und Politik [Nota: Fundação Ciência e Política, think tank do governo alemão], ou ainda o Instituto GIGA, de Hamburgo, cujos funcionários ocupam o topo do ranking dos “must interview” da Alemanha. Sendo pagos, aliás muito bem pagos, pelo governo – como poderia ser “objetiva” sua análise?
Muito interessante sua descrição do papel dessas fundações. Uma delas, que certamente contrabalança um pouco o discurso conservador é a Fundação Friedrich Ebert, do partido socialdemocrático (SPD), que há décadas patrocina projetos da CUT e do PT, espaço de diversas palestras de Luis Inácio Lula da Silva, em São Paulo e em Bonn.
Por falar em PT e Governo Dilma: como os vê no contexto latino-americano?
H.N. – O projeto social do PT é parte de um projeto integral de movimentos da esquerda reformista na América Latina. Já o Brasil como país tem um papel importante no grupo dos BRICS. Mas penso que o PT – do mesmo modo como os partidos de esquerda em escala global – deveria pensar e atuar além do marco estritamente parlamentar, formal. Nesse aspecto, depois de conversar com colegas no Brasil, percebo alguns déficits bem delineados no governo Dilma Rousseff, e certamente foi um dos motivos da vitória apertada no segundo turno. 20% de abstenções mais 6% de votos nulos… – será que não articulam amargas decepções?
Você está na pista certa, a presidenta foi reeleita com quase 54,0 milhões de votos, mas seu resultado poderia ter sido muito melhor. Aqui no Chile, em 2013, Michelle Bachelet foi reeleita em condições ainda piores: 45% de abstenções. Percebo isso como sintoma global de despolitização do eleitor, no sentido de perda de interesse pela esfera política, mas também de perda de consciência. Culpar o eleitor seria erro crasso, as pessoas estão mesmo é enfastiadas, o que parece transparecer é a perda de atratividade da democracia liberal-conservadora, incapaz de oferecer inovação, principalmente a participação cidadã, republicana.
Para finalizar, conte-nos o que o portal Amerika 21 faz para diversificar e melhorar a imagem da América Latina na Alemanha.
H.N. – O portal de notícias Amerika 21 existe desde 2007 e é administrado pela associação beneficente Mondial21. Com o portal introduzimos uma novidade no cenário dos meios de comunicação da Alemanha. Sua missão é contribuir ao intercâmbio comunicacional entre o Sul e o Norte globais, preenchendo os espaços vazios existentes. O que fazemos é disponibilizar na internet informações sobre a América Latina, oferecidas com padrão profissional, acessíveis e grátis. Até agora, é fruto de trabalho coletivo não-remunerado de um expressivo grupo de colaboradores; da pesquisa, pela tradução à edição de matérias. No início, éramos um blog noticioso, com algumas edições semanais de atualização. Já em 2011, publicávamos de três a cinco artigos diariamente e atualmente a redação não para de editar. A profissionalização do portal sob formato de redação-online está em curso, ainda não terminou, e ela exige várias horas de trabalho concentrado por dia, sem restrições de qualquer natureza politica ou ideológica. Desse modo, avançamos para a posição de mídia-referência em nível nacional, quando o assunto é América Latina.
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Frederico Füllgraf é mestre em Comunicação Social pela FUB – Universidade Livre de Berlim e ex-aluno da DFFB – Academia Alemã de Cinema e Televisão, também em Berlim. É escritor (A bomba ‘pacífica’ – o Brasil e outros cenários da corrida nuclear, Brasiliense, 1988), roteirista e diretor de cinema (premiado pelo projeto DocTV do MinC, em 2006) e desde 1985 atua como produtor associado da Radio e TV Pública da Alemanha (ARD), atualmente baseado em Santiago do Chile