Fundamental a crítica feita pelo editorial “Omissão criminosa”, publicado pela Folha de S.Paulo (25/1), que condenou a negligência dos longos governos do PT (Brasil) e do PSDB (São Paulo) em relação à questão ambiental em troca de medidas para garantir sua permanência no poder. Como resultado, bate à porta de milhões de brasileiros o desabastecimento de água e energia, numa crise ambiental de enorme magnitude.
Mas o editorial da Folha nesse momento de sufoco, a exemplo de outros veículos da grande imprensa, não compensa o fato deles próprios terem sido negligentes e, por vezes, coniventes com a cultura brasileira de considerar as questões ambientais secundárias, quando não entraves.
É sintomático como muitos jornais e revistas de São Paulo fizeram vista grossa à aposta do governo Alckmin em chuvas que não vieram ou à falta de medidas emergenciais – tanto daquele governo como na esfera federal – para lidar com o desequilíbrio hídrico. Mais ainda, foi constrangedora a falta de questionamento da imprensa sobre a conversa entre Alckmin e Dilma, logo após as eleições, para tratar da crise da água. Na ocasião, o papo esteve centrado em um plano pouco detalhado de obras de engenharia para trazer água de outros cantos do país para abastecer São Paulo.
Passou longe do noticiário e dos editoriais da época tratar o problema no contexto da adaptação às mudanças climáticas, que tornam cada vez mais incerto o regime de chuvas. Também não vieram cobranças sobre medidas para reduzir e reverter o desmatamento da floresta amazônica brasileira – mesmo após a mídia ter noticiado o estudo O Futuro Climático da Amazônia, do climatologista Antônio Nobre, mostrando como a supressão da floresta vem afetando os rios voadores que trazem chuva para o Centro-Oeste e Sudeste. E pouco se leu sobre a recuperação das matas ciliares dos mananciais de São Paulo ou o aproveitamento das águas das chuvas (para além de artigos “que não refletem a opinião da publicação”).
Meio ambiente deve ser valorizado e conservado
Em parte, este pode ser um reflexo da falta de preparo das redações para lidar com os temas integrados de pautas da sustentabilidade – que demandam conexão entre aspectos econômicos, sociais, ambientais e de políticas públicas. Entretanto, esse é um erro no qual a imprensa insiste pelo menos desde a Rio 92, a conferência histórica da ONU realizada no Brasil que deveria ter sido – também para a imprensa – um divisor de águas da relação da sociedade com a natureza.
Como exemplo, cito estudo de 2003, que fiz pela PUC-SP, intitulado “Desenvolvimento sustentável e contradições da grande imprensa“. Nele comparava o que defendiam os editoriais de O Estado de S. Paulo pró uma agenda sustentável e o que de fato aparecia em sua cobertura jornalística. A desconexão entre meio ambiente e desenvolvimento na pauta diária do jornal era frequente, apesar do posicionamento em editoriais defender o contrário. Certamente, não se tratava de uma exclusividade do OESP e ainda hoje vemos os editoriais de diversos veículos pregarem posições pró-sustentabilidade, em momentos pontuais, que não se refletem nos questionamentos por trás de suas matérias corriqueiras.
Fica a impressão de que a grande imprensa reforça com frequência um entendimento brasileiro silencioso das questões socioambientais como luxos reservados para outro momento histórico de nosso desenvolvimento. Mentalidade que se constata na construção de grandes empreendimentos de infraestrutura sem a devida preparação dos territórios onde são inseridos. Ou no enfraquecimento do Código Florestal, permitindo ampliar a produção agrícola mais pela abertura de novas áreas cultivadas do que pelo aumento da produtividade baseada em tecnologia, condições ambientais apropriadas e recuperação de áreas degradadas. Ou ainda no status da natureza como parte de um folclore brasileiro bom de se ouvir falar, mas longe da conservação e do aproveitamento de seus benefícios socioeconômicos, como o potencial para o turismo, a bioprospecção para a pesquisa de novos princípios ativos pela ciência e a indústria, a produção de água, o sequestro de carbono, a polinização, o controle de pragas, o equilíbrio climático, a relação com conhecimentos tradicionais e aspectos culturais singulares.
Infelizmente, os impactos da supressão da biodiversidade, tão alertados por cientistas e ambientalistas, materializam-se, mais dia menos dia.
A crise hídrica, que está aí e já cobra preço alto da população, é uma oportunidade valiosa para que governantes e a imprensa saiam do discurso e das reações pautadas por situações emergenciais e pressões externas e encarem o meio ambiente como condição incontornável e transversal para o desenvolvimento socioeconômico. Mais do que isso, que assimilem de uma vez por todas que o meio ambiente não é um fardo a carregar, mas algo a ser valorizado e conservado por um país que tem na natureza um patrimônio riquíssimo, uma fonte de conhecimento imensurável e um lugar de florescimento do espírito humano.
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Ricardo Barretto é comunicólogo