Passados mais de 20 anos, o atentado que deixou 85 mortos e cerca de 300 feridos na sede da Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), em Buenos Aires, cerca-se de novas e espessas camadas de mistério.
A morte do promotor Alberto Nisman – encarregado do caso desde 2004, por indicação do então presidente Néstor Kirchner – traz todos os ingredientes de uma intriga policial, a que se agrega uma consternadora circunstância. A saber, a de que nenhum detetive desapaixonado parece estar por perto, no turbulento e dividido quadro ideológico argentino.
Nisman preparava-se para detalhar uma grave denúncia contra a presidente Cristina Kirchner e seu ministro das relações exteriores, Héctor Timerman. Associados a outros membros do governo, ambos teriam articulado um pacto internacional para deixar impunes os suspeitos do atentado.
Entre esses, as investigações apontavam autoridades do primeiro escalão do governo iraniano, como um chefe da Guarda Revolucionária e um ministro da Defesa; o próprio ex-presidente Ali Rafsanjani chegou a constar da lista dos que deveriam comparecer a um tribunal argentino.
O acordo entre persas e kirchneristas, inicialmente secreto, visaria a fortalecer laços comerciais entre Irã e Argentina, acomodando as suspeitas em torno do atentado por meio de uma inócua comissão da verdade binacional. Seria mais um passo na história de negaceios e cortinas de fumaça que tem caracterizado essa investigação.
Às vésperas de divulgar informações potencialmente desmoralizadoras para o governo Kirchner, o promotor aparece morto em seu apartamento. Suicídio ou assassinato? Não havia marcas de pólvora nas mãos, mas o tipo de arma usada nem sempre deixa tais vestígios.
O apartamento estava trancado por dentro. Ou não estava? Um chaveiro confirma ser facílimo entrar pela área de serviço. As contradições se acumulam.
Suspeitas as declarações compungidas da presidente. Adotando cedo demais a versão do suicídio, Cristina Kirchner deu uma guinada em seguida, manifestando quase certeza do assassinato.
Os interesses políticos, em qualquer hipótese, são inegáveis. Mais do que no Brasil, o fenômeno de um passionalismo extremo no jogo partidário é um fator capaz de dificultar a busca da sociedade argentina pela verdade e pela justiça.