Presidente da Radiobrás no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o jornalista Eugênio Bucci qualificou como “o pior erro de comunicação da história do governo” o vazamento do documento da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, ocorrido na semana passada.
Bucci não critica apenas o vazamento em si, ou seja, o fato de uma avaliação interna do governo ter sido exposta no portal estadão.com.br e, a seguir, em outros meios de comunicação. Para alguém que marcou sua gestão na empresa estatal de comunicação pelo combate ao chamado jornalismo chapa-branca, marcado pelo oficialismo, foi uma enorme “decepção” ver a Agência Brasil citada no documento como integrante de uma rede de promoção do governo, no mesmo nível, por exemplo, do Facebook da presidente.
Bucci critica o uso da rede estatal de comunicação para a promoção do governo – mas faz a ressalva de que essa prática não é exclusiva do PT, e sim generalizada entre governantes de todos os partidos.
Em seu recém-lançado livro O Estado de Narciso – A comunicação pública a serviço da vaidade particular, ele também defende que o governo deve ser proibido de fazer propaganda. “O Estado não deve se comunicar com a sociedade por meio de compra de espaço publicitário em veículos privados.”
A lógica do nós contra eles
O que o documento sobre as estratégias de comunicação do governo revela?
Eugênio Bucci – Trata-se de um texto muito caricato. De início, pensei que fosse um trote que havia sido escrito por algum redator do Zorra Total (programa de humor da TV Globo). Não sabemos quem fez o documento, mas os sinais indicam que a área de comunicação do Palácio do Planalto não consegue diferenciar o governo do partido. É preciso compreender que são figuras diferentes, esferas diferentes, sujeitos diferentes. Se não conseguirmos separar um do outro, teremos um recuo civilizatório.
O PT tem dificuldade de fazer essa separação?
E.B. – Esse tipo de mentalidade, com absoluta segurança, está presente em vários outros partidos e governos. É importante que se diga que isso não é exclusividade do PT. Para um número grande de pessoas que operam comunicação de governo, a propaganda é a disputa de uma guerra. Não é por acaso que usam figuras de linguagem bélicas, como “guerrilha”, “soldados”, “munição”. Essa linguagem nos permite depreender que eles enxergam a sociedade como um campo de batalha, e não como um conjunto de cidadãos. Não há diálogo. O tom é de ocupação e de dominação. Até no Império Romano essa mentalidade seria atrasada.
Quem seriam os participantes dessa guerra?
E.B. – Ao longo de todo o documento, a gente depreende a existência do “nós” e do “eles”. O “nós” aglutina partido, militantes, ministros, Agência Brasil, Empresa Brasil de Comunicação. O “eles” são os que fazem panelaço, os que fazem manifestação contra o governo. Quando alguém sucumbe a essa lógica do nós contra eles, passa a indiferenciar partido e governo. O que vem depois disso é um descalabro.
“É preciso proibir que o Estado seja anunciante”
O documento expõe uma visão de governo ou uma opinião pessoal?
E.B. – O governo não repudiou até agora esse documento. Esse silêncio pode ser lido como um aval. Se não o nega, o governo assina o documento. Deveriam dizer que um texto desses é inaceitável dentro de uma repartição pública.
O texto sugere que a Agência Brasil deve ser colocada a serviço da defesa do governo. É esse o papel dela?
E.B. – A Agência Brasil faz parte de uma empresa estatal, a Empresa Brasileira de Comunicação. Uma estatal não pode ser partidária. Quando se organiza a comunicação estatal, o princípio básico é que ela não pode estar a serviço de um partido. A definição do que é estatal está na Constituição, deve primar pelo princípio da impessoalidade. Não sei qual é o entendimento de estatal que está na cabeça dessa gente, mas parece que é outro.
O texto fala sobre o uso de “robôs” nas redes sociais pelas campanhas do PT e do PSDB.
E.B. – Nas campanhas, todo mundo usa robôs. Há algoritmos tão sofisticados que até fecham operações no mercado de capitais. Não considero especialmente chocante o uso de robôs. O que choca é o contexto.
Também há menção ao uso de propaganda oficial em São Paulo para melhorar a popularidade do prefeito Haddad e, por tabela, da presidente Dilma.
E.B. – O uso de publicidade para promover o governante é uma prática patrimonialista. Não deve existir propaganda oficial para melhorar imagem. Se alguém diz que o faz, está indo contra o que a Constituição preconiza. Está propondo o uso de recursos do Estado para fazer luta partidária. Quem faz esse tipo de proposta seguramente não entendeu o espírito da coisa pública.
A Constituição proíbe a propaganda que promova governantes, mas, em seu livro, o senhor mostra que quase todos se utilizam de brechas para ignorar essa regra. Como evitar que isso ocorra?
E.B. – Essa iniciativa precisa partir dos cidadãos. É preciso proibir que o Estado seja anunciante, a não ser em situações excepcionalíssimas. Hoje em dia, todas forças políticas, no governo ou oposição, são unânimes ao tratar como normal o uso da estrutura de comunicação estatal para promover o governo ou o governante. Da mesma forma, há muitos jornais pequenos e médios, entre outros meios de comunicação, que dependem de verbas oficiais e que não estão interessados em mudar essa realidade. Não veem esse sistema como algo que corrompe a democracia.
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Daniel Bramatti, do Estado de S.Paulo