Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A agenda da mídia e a mídia fora da agenda

A capacidade dos veículos da grande mídia de pautar uns aos outros, de levar junto a oposição política (ou vice-versa) e parcela importante da chamada opinião pública, obrigando autoridades do governo (neste ou em qualquer outro governo) a, permanentemente, responder a uma agenda ‘externa’ tem se demonstrado infindável no Brasil. Não há dúvida de que, do ponto de vista da grande mídia, o país vive uma crise contínua e interminável.

Acrescente-se a essa capacidade uma outra – a de emocionar e mobilizar parcelas imensas da população em torno de tragédias individuais –, e teremos o cenário midiático que tem predominado entre nós há algum tempo.

O observador da mídia precisa estar em alerta constante para que ele próprio não seja ‘cooptado’ pela agenda da grande mídia e levado a considerar a agenda dela como sendo aquela do país. Ao contrário, cabe ao observador revelar a lógica interna da agenda midiática e o seu distanciamento de outras importantes questões de interesse coletivo que continuam a fazer parte da agenda pública e da disputa política. E isso, sobretudo, no nosso próprio campo, as comunicações.

Garantias ao produtor independente

Um exemplo: quando este texto estiver ‘no ar’ já deverá estar publicada no Diário Oficial da União a lei que cria a EBC – Empresa Brasileira de Comunicação. A se confirmarem as expectativas, o presidente da República deve ter vetado o artigo inserido no projeto de lei de conversão pelo relator Walter Pinheiro (PT-BA), que previa que as emissoras de TV comerciais teriam que entregar à TV pública os sinais de jogos de seleções nacionais contratados com exclusividade e não transmitidos em seus canais. Se o veto presidencial tiver de fato acontecido, mais uma vez, vence a disputa o interesse dos grandes grupos privados de radiodifusão.

Outro exemplo: é grande a movimentação na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados em torno do encaminhamento de propostas regulatórias para o setor.

O relatório da deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), aprovado na subcomissão especial que analisa mudanças no processo de outorgas de rádio e televisão, no final de 2007, foi agora apresentado ao plenário da Comissão e deverá ser votado ao longo deste semestre. O relatório prevê, dentre outras, a proibição a qualquer detentor de cargo eletivo de ser proprietário de emissoras de rádio e televisão; e também o fim da exigência de decisão judicial para o cancelamento ou cassação de outorgas de radiodifusão. Essas duas propostas, como se sabe, implicam alterações constitucionais.

Prossegue também a disputa em torno do Projeto de Lei 29/2007 que ‘dispõe sobre a comunicação audiovisual social eletrônica de acesso condicionado e da outras providências’. Em jogo a regulação da entrada das empresas de telefonia na distribuição de conteúdo audiovisual e a regulação das empresas de TV paga. Espera-se a apresentação de novo substitutivo, pelo relator Jorge Bittar (PT-RJ), ao longo desta semana.

Um dos atores mais atuantes nesta disputa tem sido a ABTA – Associação Brasileira de Televisão por Assinatura que, na sexta feira (4/4), divulgou longo documento no qual se posiciona radicalmente contra ‘a imposição de cotas de conteúdo nacional na TV paga’. Para a ABTA as cotas ‘resultarão em um brutal aumento de custos para o operador, em dificuldades operacionais para programadores e canais, impactando o valor das mensalidades pagas pelos assinantes, que necessariamente serão elevadas’ [ver íntegra aqui].

Essa posição é oposta àquela defendida pela ABPITV – Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão, que havia entregue um manifesto favorável às cotas nacionais de produção independente aos deputados da CCTCI, na quarta-feira (2/4) [ver aqui].

O manifesto da ABPITV conta com o apoio de diversas entidades e associações e afirma que aquilo que o PL 29/2007 defende não é nenhuma novidade nos países da América do Norte ou da Europa. Lembra, por exemplo, a criação do ‘Fyn Syn’, nos Estados Unidos, um sistema que limita o número de horas de programas feitos in house que as redes poderiam veicular, garantindo ao produtor independente os direitos patrimoniais dos projetos realizados por ele e promovendo a regionalização do conteúdo. Para a ABPITV, a norma norte-americana impede a formação de cartéis e garante que mais de 70% do conteúdo qualificado da televisão nos EUA seja desenvolvido por produtores independentes.

Convém não esquecer

Um observador de mídia precisa também ficar atento àqueles temas que dominam a pauta da grande mídia intensamente por algum tempo e depois, sem mais, desaparecem.

Um exemplo: a recente pauta sobre a ameaça a liberdade de imprensa e as ‘tentações da censura’ provocada por dezenas de ações de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra a Folha de S.Paulo colocou sob suspeição o próprio Poder Judiciário. O tempo está mostrando, mais uma vez, que a reação dos grandes grupos de mídia foi, de fato, muito maior do que a ameaça. Dos 77 processos impetrados, todos – até agora 23 – estão sendo, um a um, arquivados. Nem um único sequer foi acatado pela Justiça.

O que se depreende da observação da mídia brasileira nos últimos tempos é que a pauta da mídia continua excluindo a própria mídia. E mais: a ausência de sintonia entre a sua pauta e aquela da maioria da população brasileira – que, é verdade, muitos acreditam não ser necessária.

Como a grande mídia impressa entre nós tem sido, historicamente, excludente e elitista, a omissão e o distanciamento do público não constituem problemas para ela. Mas, certamente, essa não pode ser a vocação da mídia eletrônica. Emissoras de rádio e televisão – é sempre bom lembrar – são concessões de um serviço público cuja prioridade deve ser o atendimento ao interesse público.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)