O fim da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a profissão é apenas mais um capítulo na amarga história de decadência da imprensa brasileira. Dias antes da fatídica decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), já haviam rasgado a Lei de Imprensa, ato que deixou o setor a descoberto do ponto de vista legal. Diga-se de passagem que em quase todos os países existem mecanismos legais de regulação dos meios de informação. Aqui, pelo visto, fica decretada a barbárie.
Não bastassem as decisões equivocadas do STF, que muito contribuem para o desmanche de uma profissão regulamentada há 40 anos, os próprios jornais estão se encarregando de acabar com a imprensa. É fácil perceber duas tendências crescentes no mercado da informação. De um lado o avanço dos tablóides destinados às camadas menos favorecidas da população. De outro, as revistas dirigidas ao público de alto poder aquisitivo, tendo como foco noticioso as pseudocelebridades.
Se o primeiro produto tem o mérito de conquistar novos leitores junto a um público pouco dado à leitura de jornais, apresenta como principais defeitos o sensacionalismo e a apuração rasa da notícia. Esses tablóides são campeões de venda. No entanto, atropelam o idioma pátrio com erros grosseiros e subestimam a capacidade mental dos seus leitores. Já o segundo tipo de publicação geralmente tem o mérito da boa qualidade gráfica, mas capota na curva ao bajular gente rica que nem sempre é notícia.
Araras e papagaios
Num cenário tão comercial, no qual o faturamento é mais importante do que a qualidade da informação, é cada vez menor o espaço para o jornalismo investigativo e a justa prestação de serviços ao leitor. Os cadernos de Cultura, por exemplo, curvam-se ao modismo imposto pela mídia eletrônica e se transformam em agendões de eventos para todos os gostos, sem reservar lugar para a crítica especializada. As seções de cinema badalam as produções comerciais de Hollywood e se limitam a distribuir estrelinhas, sem aprofundar a discussão estética. Para não desagradar o improvável leitor jovem, os editores colocam o hit de baixa qualidade no mesmo patamar de clássicos do jazz ou da bossa nova.
Enquanto isso, a cobertura de eventos de âmbito global resume-se ao monólogo das agências de notícias, abrindo mão da pluralidade discursiva e do diferencial oferecido por correspondentes internacionais. Em vez de apostar na análise dos grandes acontecimentos, a imprensa rende-se ao sensacionalismo e repete informações até a exaustão numa vã tentativa de derrotar a internet em seu próprio território. Se esta ganha em velocidade, supõe-se que os jornais deveriam ganhar na qualidade da notícia, com a justa reflexão e apuração dos fatos. Por outro lado, grande parte das revistas semanais rendeu-se ao denuncismo fácil e aos articulistas polêmicos, mas nem sempre responsáveis.
Essa novela de final dramático teve um dos seus começos quando as empresas jornalísticas passaram a abusar das cores em suas edições. A partir dos anos 1980, qualquer pessoa que parasse diante de uma banca de revistas tinha a sensação de contemplar uma gaiola de araras e papagaios. A facilidade da impressão colorida, no entanto, não seria suficiente para enfrentar a agilidade da TV a cabo, identificada naquele momento como a provável grande rival dos jornais impressos.
Mau jornalismo
Pouco tempo depois, com o advento da internet, os diários se deixaram levar pela velocidade da informação, como se o rádio não tivesse sido inventado muito antes das novas mídias. Os editores de Primeira Página insistem em publicar manchetes óbvias e repetitivas, que nada acrescentam aos fatos. A coisa é tão mecânica que já virou rotina uma mesma manchete pipocar em mais de um jornal no mesmo dia. Basta ver a morte de Michael Jackson, explorada a exaustão sem revelar nenhuma novidade sob o rei do pop.
Se o rádio noticia o fato na hora e a internet pouco depois, a televisão tem o péssimo hábito de apostar na espetacularização da notícia. Pelo menos teoricamente, caberia aos jornais a análise e a investigação dos acontecimentos. No entanto, preferem imitar o noticiário dos concorrentes, movidos pela pressa e pela preguiça mental. Com isso, os repórteres já não contam mais histórias e a venda dos jornais despenca a olhos vistos. As redações vivem hoje o pesadelo das demissões, sob o repetitivo discurso do corte de despesas.
Pelo visto, os donos de jornais perderam o trem da história e os editores e chefes de Redação desaprenderam o próprio ofício. Culpam a concorrência dos meios eletrônicos, praticam o mau jornalismo, abrem mão da crítica aos poderosos e apostam na mediocridade dos leitores como tábua de salvação.
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Escritor e jornalista