Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A aversão do PT à imprensa crítica

Há um morde e assopra no discurso PT em relação à mídia. Agora é notícia que o partido volta à carga em seu congresso contra a “mídia conspiradora e golpista”. Na posse, a presidente Dilma Rousseff dizia que “o barulho da imprensa livre é melhor que o silêncio das ditaduras”.

Não vamos nos iludir: o léxico pode variar de “controle” a “democratização”. Mas a aversão do PT à imprensa crítica aumentará porque não há lugar no mesmo espaço para a democracia e para um projeto de hegemonia que já aparelhou o Estado, adula o capital, domina os sindicatos, administra os movimentos sociais, manda nas universidades e avança sobre as instituições que ainda resistem ao seu controle.

A imprensa, como qualquer instituição, deve se submeter a regras democráticas. Mas quem ama mais a democracia que o poder não demoniza a imprensa crítica nem propõe limitá-la quando está por cima, porque sabe que vai precisar dela quando não for governo. A intolerância ao jornalismo crítico é o ponto de contato entre ditadores e arrivistas – é o que têm em comum o desesperado Bashar al-Assad, quando proíbe jornalistas estrangeiros em seu país, e o atrapalhado David Cameron, quando propõe aumentar a vigilância na internet.

Iluminismo retardado

Aqui no Brasil há oligopólio, erros e abusos na imprensa. Mas qual é a mídia que incomoda o governo e o PT? Não são os jornais, rádios, portais e TVs de José Sarney, de Fernando Collor nem os dos demais oligarcas, que apoiam o partido nas eleições e lhe dão sustentação no governo em troca de cargos e de dinheiro. Também não é a imprensa “pública”, nem mídia chapa-branca, nem os blogueiros oficiais, sustentados por verbas publicitárias do governo e estatais, por financiamentos e troca de favores.

Essa mídia é boa porque o partido e o governo já a controlam. A mídia que o PT chama de golpista é a imprensa crítica, é a que noticia a corrupção, os erros do governo e o fascínio de seus líderes por autocratas e ditadores.

Nem mesmo os oligopólios – desde que sejam em outros setores – parecem incomodar o governo e o partido, que, ao contrário, se esforçam para estimulá-los, como no caso dos supermercados no desastrado episódio do Carrefour / Casino / Pão de Açúcar.

A mídia crítica, depois de ajudar o PT a chegar ao poder, foi para o rol dos inimigos porque expõe a sua complacência com a corrupção e o seu fascínio pela prepotência, pondo em xeque o argumento resignado de que este é “o preço a pagar para acabar com a exploração das elites e para melhorar a vida dos pobres”. Esse enunciado não resiste nem à audição de seus próprios locutores. Eles sabem – ou têm a obrigação de saber – que é o mesmo que levou e leva às ditaduras, que sempre reproduzem a exploração e a miséria.

Depois de tantos desastres totalitários no planeta, é duro ter de conviver com esse iluminismo retardado. Se Nietzsche baixasse no nosso terreiro, acharia aqui, na certa, o seu último homem da política, querendo pastorear o rebanho dos brasileiros.

História conhecida

A ideia de controlar a mídia não vai para a lixeira do PT, enquanto o partido for poder. A expressão “controle social” poderá ser abandonada como palavra de ordem porque é hitlerista demais. Mas o projeto de calar o jornalismo crítico vai ter seguimento dentro da lógica de aparelhamento do Estado e do controle progressivo de todas as instituições pelo partido. Para o PT, a democraciaé galinha velha que faz canja boa. Ainda será tolerada enquanto servir para legitimá-lo no poder.

Mesmo a combatida imprensa crítica ainda serve de vez em quando. Ela agora ajuda o projeto de autonomia eleitoral em relação a aliados que vão se tornando desnecessários e inconvenientes, como o PMDB, o PR e o PP. São eles que estão mais na mira das reportagens e manchetes.

A vida tem, felizmente, seus paradoxos e a política não escapa disso. Ao revelar a corrupção no governo, refletindo a luta de vida e morte na base aliada, a imprensa crítica cumpre o seu papel democrático, mas também dá uma mãozinha à estratégia petista de hegemonia.

Por enquanto, o jornalismo crítico está sendo combatido com palavras de ordem e projetos de lei. A continuação dessa história, a gente conhece: o peso da bota do Estado e os ataques de militantes raivosos a jornalistas e órgãos de comunicação.

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[Altamir Tojal é jornalista]