Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A campanha nas novas mídias

Como aconteceu em 5 de agosto, logo após o primeiro debate entre os presidenciáveis realizado pela Rede Bandeirantes, enviei texto para este Observatório (ver ‘Os melhores momentos‘). Pois bem, acabo de assistir ao primeiro Debate Online UOL/Folha (quarta, 18/8) com os três candidatos à presidência da República mais bem situados nas pesquisas de opinião pública – Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva – e apresso-me em enviar algumas percepções.


Assistir a um evento ao vivo na internet exige paciência de Jó, tolerância 100% e boa dose de imaginação. Paciência porque a coisa não flui como rio se encaminhando ao mar, há muitas interrupções para que o buffer carregue e, não obstante poder contar com banda larga de internet em minha casa na faixa do 8MB, ainda assim abundaram reticências. Há que ser tolerante porque senão o jeito é achar que o problema é apenas com o nosso netbook e hajam janelas abertas na vã esperança de que um outro link tenha uma transmissão mais linear. Imaginação para preencher as interrupções com complementos mentais ao que cada um estaria dizendo no exato momento em que o vídeo ficava suspenso.


Pergunta inteligente


As regras são tão incensadas que parecemos estar diante de três contumazes caluniadores, gente com nervos à flor da pele para desferir caneladas à direita e à esquerda, e que sem a camisa de força sempre a postos seria de todo irrealizável um debate deste porte. Não é uma crítica nem à Band (5/8) nem ao UOL (18/8) pela existência das regras, afinal, sejamos justos, os pais soberanos e zelosos das regras que engessaram os debates não são os veículos de comunicação que os promovem e sim as assessorias dos debatedores, que querem protegê-los de atos falhos, situações embaraçosas, perguntas letais e destemperos verbais.


Assisti, realmente, a um debate entre os candidatos ao Palácio do Planalto em 2010. Muito diferente daquele da Band que, embora pioneiro na televisão, estava longe de empolgar e o lanterninha na ocasião, Plínio de Arruda Sampaio, roubou a cena com suas tiradas espirituosas quase sempre, irônicas sempre.


Foi o debate e não um debate. Porque os candidatos foram mais eles, mostraram a que vêm, o que pensam, o que defendem, o que pretendem e o que não pretendem fazer caso subam a rampa do Planalto em janeiro de 2011. Impressiona constatar que o debate pode ser considerado muito bom por ter se parecido com aquilo que deveria ser um debate: confronto de ideias, esgrima de plataformas, ataques e defesas sobre o Brasil que cada um acha ser possível manter, criar, construir.


José Serra abusou do seu ‘isso é de fundamental importância’. Nenhum assunto lhe parecia apto a receber apenas a devida atenção. Todos, sem exceção, receberiam atenção prioritária. Foi muito bem sucedido quando tratou de reapresentar a Dilma o seu partido político que votou contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sempre que escutamos político dizer que tudo é de fun-da-men-tal importância… aí tem coisa. No mínimo é que é conversa pra boi dormir, nem importante será quanto menos… fundamental. Criticou, como de costume, a lógica engenhosa – e não muito correta – de se levar o debate sobre o futuro do Brasil com olhos fixos no retrovisor que, segundo ele, Dilma parece ter o retrovisor do tamanho do parabrisa. No entanto, é curioso (ou curiosíssimo) que considera mais que pertinente pautar cada frase sua em algo que realizou no passado – seja como ex-ministro da Saúde, seja como ex-prefeito e ex-governador. Vendo por esse ângulo, soa no mínimo exótico exigir que sua principal oponente esqueça de vez o retrovisor e o deixe apenas para seu uso, principalmente em se tratando do genérico, das políticas de saúde pública contra o HIV e por aí afora.


Serra foi com sede ao pote querendo resgatar em um único debate os muitos meses em que se equilibrou solenemente sobre o muro das conveniências políticas: é mais fácil o muro andar que eu decidir ser situação ou oposição. Tratou de lançar minas por todo o debate: ‘Eu governo para o interesse público, e não para os amigos’. E também: ‘Em política, nem todos são iguais. Todo mundo me conhece’. Serra disse que viu ‘certa satisfação’ de Dilma com a carga tributaria brasileira. ‘Você acha que está bem. Eu acho que não. O Brasil tem, disparado, a maior carga tributária do mundo em desenvolvimento. Mas é um país cujo governo menos investe no mundo’.


Mas o viveiro parecia não estar para pássaros. Foi quando um internauta perguntou sobre os preços dos pedágios em São Paulo. José Serra respondeu de maneira enviesada, como a se proteger no excelente posicionamento de Geraldo Alckmin para o governo de São Paulo: ‘Pois bem, todo mundo está dando a eleição do Alckmin de barato’. E nas mentes da audiência do Tuca, o teatro da PUC-SP onde se realizou o debate, a pergunta que piscava insistente era: ‘Será que é isso mesmo?’


Josias de Souza (da Folha de S.Paulo) fez a pergunta mais inteligente, dirigida ao tucano, e absolutamente dentro do clima reinante no Tuca. Tratou de fisiologismo e de como se sentia o candidato tendo o ex-deputado Roberto Jefferson como apoiador de primeira linha do tucano. A resposta de Serra, um tanto irritado, foi: ‘Eu não passo a cabeça na mão de quem cometeu barbaridades…’ – e, como me escreveu um amigo, ‘disse o Serra José presidente a candidato’, arrematando com a sábia advertência: ‘Não necessariamente nessa mesma ordem’. De qualquer forma, sabe lidar com as novas mídias como ninguém e suas palavras de encerramento – de improviso, diga-se – mostravam descontração e mesmo boa dose de simpatia.


Ideia crônica


Dilma Rousseff parecia estar com diploma de pós-graduação em debate político. Nem se uma tsunami surgisse no histórico auditório do Tuca conseguiria lhe retirar o rosto impassível de Rainha de Copas. Não deixou o presidente Lula ao relento nem largado às brumas do esquecimento. Como em Avalon, Dilma lhe trouxe nos lábios várias vezes. Dilma se atrapalhou ao responder sobre caos aéreo e a fiscalização do espaço aéreo brasileiro. Seus pensamentos pareciam estar muito à frente das palavras – ou será que se tratava de confusão mental mesmo? Infelizmente para Dilma e Serra, respostas que exijam números – seja de que ordem de grandeza for, como economia por exemplo – logo saberemos que haverá desmentidos porque é o próprio triângulo das Bermudas: os números são forçados a ter cor partidária, queiram ou não, e, então…


Fato é que Dilma e Serra se confrontaram por diversas vezes e em diversos temas, e sempre divergiram. A primeira questão formulada por Dilma a Serra foi sobre uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) levada pelo DEM ao Supremo tribunal contra a existência do Prouni. ‘O partido do seu vice [Índio da Costa] entrou na Justiça para acabar com o Prouni. Se a Justiça aceitasse o pedido, como você explicaria essa atitude para 704 mil alunos que dependem do programa?’


Serra acusou o golpe e contra-atacou, lembrando de votações em que o PT, quando na oposição ao governo Fernando Henrique, foi contra proposições do governo. ‘O DEM não entrou com processo para acabar o Prouni. Foi uma questão de inconstitucionalidade, um aspecto etc. Nem tem a ver com a minha posição, a do meu partido. O que o PT já aprontou em matéria de tanto pior melhor, não está escrito. Nunca quis perder tempo com isso em debates. Mas em matéria de quanto pior melhor, o PT foi campeão’. Dilma foi à tréplica dizendo que os petistas, pelo menos, reconheceram seus erros.


Um bom momento foi quando, ao responder sobre seu estado de saúde ao jornalista Rodrigo Flores (UOL), Dilma buscou aproximação com o eleitorado. ‘Assim como eu, milhões de brasileiros e brasileiras passaram por isso [um câncer]. Essa é uma doença que a gente não pode mais ter preconceito’. E para detonar a ideia crônica que vem desde o século 19 de que o câncer é doença incurável, foi categórica: ‘O câncer, se detectado cedo, é absolutamente curável’. E disse estar curada porque seguiu os ‘protocolos’ médicos. Poderia ter dito apenas que seguiu o receituário ou o tratamento recomendado por seus médicos. Preferiu protocolo. Fazer o quê?


Começou!


Marina Silva, que parecia ter aliança subliminar com José Serra, até este momento parece ter optado por invadir a praia do tucano, algo que lembra cenário do seriado Lost. Marina criticou a gestão tucana na educação em São Paulo (‘mesmo com 20 anos de governo do PSDB temos graves problemas na educação’). Até isso foi feito com elegância e serenidade. Sim, porque Marina é Marina e estamos conversados. Mas usou e abusou de expressões cansativas e inúteis para iniciar cada intervenção. Refiro-me ao ‘como eu tenho dito’. Ora, qual a importância de dizer que continuava pensando como antes sobre isso e aquilo? Acho que é um tique de linguagem, pois se o que desejava dizer já fora dito, por que voltar a dizê-lo? Simples assim.


Pela primeira vez deixou seu tema de estimação – a ecologia, o meio ambiente – algo mais livre, mais leve, mais solto. Até um choque de realidade faz bem ao meio ambiente, vocês não acham? As perguntas para Marina são sempre naquele estilo ‘nada como tudo mais além e, principalmente, em se tratando desse assunto, muito pelo contrário’. Polêmicas e Marina: nada a ver. É tudo zen, é tudo verde, é tudo possível e passível de ser contornado, melhorado, terminado. E teve ótimas tiradas em cima de seus colegas debatedores: ‘Estão querendo infantilizar os brasileiros com essa história de pai e de mãe’. Sim, porque uma ‘mãe’ do PAC e outro é ‘pai’ dos remédios genéricos.


Renata Lo Prete (Folha) perguntou para Marina Silva o que todo mundo quer saber depois de conhecer as últimas pesquisas do Datafolha, Ibope e Vox Populi: ‘Se Lula lhe pedir, a senhora apoiará Dilma Rousseff no segundo turno?’ Resposta imediata: ‘Segundo turno a gente discute no segundo turno’. Terminou carregando um pouco além da conta no clima messiânico: ‘A única forma da população sair do anonimato é elegendo Marina Silva’. Isso, mesmo bem ao estilo Pelé, falando de si na terceira pessoa.


Fernando Rodrigues conduziu muito bem o debate. Nota 10 como mediador. Sempre atento, sempre cortês. Pelo jeito, a campanha começou. E seu pontapé inicial aconteceu no Tuca, sob os auspícios das novas mídias.


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Assista ao debate Folha/UOL, aqui dividido em seis partes:


Bloco 1


Bloco 2


Bloco 3


Bloco 4


Bloco 5


Bloco 6

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Mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter