Luís Fernando Veríssimo lembrou em O Globo (3/4, pág. 7):
‘Quando o deputado Jair Bolsonaro, tempos atrás, lamentou publicamente que a ditadura não tivesse matado o então presidente Fernando Henrique Cardoso quando teve a oportunidade, a reação não foi a metade da causada pelas suas recentes declarações racistas e homofóbicas. Fobias por fobias, a FHCfobia extrema pareceu só um destempero enquanto as manifestadas agora chocaram todo o mundo. Mas o Bolsonaro é o mesmo, com o mesmo cargo. Talvez, antes, só não se tivesse prestado atenção’.
Há muitos anos, aqueles que estudam a censura com um olhar mais largo, pregam no deserto e são ouvidos somente por seus pares. Ou por gafanhotos e abelhas que produzem mel silvestre. Os outros só acham feia e errada a censura quando é contra eles ou contra seus amigos, sua turma. Quando é contra os inimigos ou desafetos, nada têm a declarar sobre vetos, proibições, apagamentos, silenciamentos etc. Tudo vale a pena para que os diferentes não falem. Assim, não são pautados e é como se não existissem.
Até que chegue a História, mas daí será tarde para os excluídos, embora cadáveres tenham às vezes vozes retumbantes, como estamos no momento presenciando com a indicação de locais onde foram enterrados os corpos de vítimas da repressão pós-64 (atrás do Hotel Quitandinha, em Petrópolis).
Direito de dizer
Nós precisamos de uma sociedade que se indigne sempre, não importa quem seja o ofendido, o excluído, sua cor, etnia, condição social, cultural, se militar, paisano, civil, religioso, ateu, agnóstico, nada.
É por isso que devemos garantir ao deputado Jair Bolsonaro o direito de ele dizer o que quiser. Se infringiu as leis com suas declarações, deve responder pelo que disse nos tribunais, não na mídia, mediante edições marotas que misturem aleivosamente perguntas e respostas fora de contexto, piorando o que ele já acha sobre notórios excluídos.
Quando Lula disse ao então prefeito de Pelotas, Fernando Marroni, sem saber que estava sendo filmado num estúdio de televisão, que ‘Pelotas é um polo exportador de veados’ e a piada infame vazou, não houve gritaria nenhuma. Ricardo Noblat, comentando episódio em O Globo (4/4, pág. 2), escreve:
‘Se o direito de ser contra for negado a Bolsonaro hoje, o direito de ser a favor pode ser negado a mim amanhã, de acordo com a ideologia dos que estiverem no poder’.
Defendendo liberdade para o deputado Jair Bolsonaro, defendemos liberdade para todos nós. E assim procedemos de modo radicalmente diverso daqueles que acham que vão fazer uma sociedade melhor quando excluírem quem pensa, declara e age diferentemente deles.
Ao defender o direito de ele dizer o que bem quiser, nós lembramos, como a vítima ao algoz, que pensamos, falamos e agimos de modo diferente. Que quando se quer justiça, não se quer vingança.
Nas redações
Também em O Globo de domingo (3/4, pág. 16), Elio Gaspari comentou a censura sofrida pela revista Caras. A causa foi a reportagem de 19 páginas sobre as angústias que levaram a atriz Cibele Dorsa ao suicídio. O jornalista referiu a estranha alegação de Antonio Carlos Mendes, advogado do campeão de hipismo Alvaro ‘Doda’ Miranda. O defensor que pediu e obteve a censura disse:
‘Como uma pessoa que vai tirar a própria vida pode estar em estado normal para deixar uma carta?’
Disse o jornalista:
‘Trata-se de perguntar ao doutor o que ele sugere que se faça com a carta-testamento de Getulio Vargas’.
No Brasil, a censura raramente é combatida. Frequentemente é invocada como recurso contra aqueles que pensam de modo diferente. E isso ocorre também nas redações. Mas aqueles que a praticam, naturalmente são contra ela, que hipocrisia! Ou desconhecem que proibir é apenas um dos muitos recursos da censura?
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Escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro e autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa)