As atenções da mídia de todo o mundo voltam-se para a corrida presidencial nos Estados Unidos. Em 6 de novembro, os eleitores norte-americanos decidirão quem ocupará a cadeira mais disputada do mundo nos próximos quatro anos. Em 2008, a candidatura de Barack Obama foi incensada pela mídia e por parte dos eleitores, que depositavam no democrata as esperanças de grandes mudanças. Quatro anos depois, Obama enfrenta forte oposição de setores radicais, uma economia instável e um cenário internacional cada vez mais conturbado. Mesmo com as dificuldades, Obama segue na frente na disputa pela Casa Branca. De acordo com uma pesquisa de intenção de voto divulgada pela Reuters/Ipsos na quinta-feira (20/9), Obama tem uma vantagem de cinco pontos percentuais sobre Mitt Romney, o candidato republicano.
O Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (25/9) discutiu a cobertura da mídia brasileira e dos Estados Unidos sobre as eleições presidenciais norte-americanas. O debate marcou a estreia do programa em horário nobre, às 20h. Até o fim da temporada eleitoral no Brasil, o programa terá meia hora de duração. Com o término do período eleitoral, o Observatório voltará a ter uma hora de produção.
Alberto Dines recebeu em estúdio dois correspondentes norte-americanos que vivem no Brasil. Mac Margolis, que trabalha na revista Newsweek há 30 anos, participou no Rio de Janeiro. Margolis colaborou com The Washington Post, The Los Angeles Timese The Economist. Em 2003, ganhou o prêmio Maria Moors Cabot, da Universidade Columbia, para jornalistas dedicados a cobertura da América Latina. Escreve uma coluna semanal para O Estado de S.Paulo e edita o site Brazil in Focus. Em São Paulo, o programa contou com a presença de Simon Romero, correspondente chefe do escritório do New York Times no Brasil. A sucursal cobre o Brasil e vários países na America do Sul. Romero foi correspondente da Bloomberg Newse implantou os escritórios da empresa em Brasília e no Rio de Janeiro. O jornalista nasceu no Novo México e se formou em História pela Universidade Harvard.
Catalisador de esperanças
Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines ressaltou que, desde 2008, a candidatura de Barack Obama incorpora propostas da agenda global e simboliza a ansiedade por mudanças no plano político. Sublinhou que o presidente desperta simpatia em diversos países: “O resultado dessa empatia universal ficou registrado numa sondagem no mundo divulgada na semana passada: 81% dos consultados votariam em Obama e apenas 19% escolheriam Romney. Israel e Paquistão são os países que preferem o republicano. Na Alemanha, Obama foi escolhido por 97% dos entrevistados. No Brasil, 93% dos ouvidos votariam em Obama” [ver íntegra abaixo].
No debate ao vivo, Dines perguntou a Simon Romero se a empatia que Barack Obama desperta em eleitores de todo o mundo chega a contagiar a população norte-americana na hora do voto. O chefe do escritório do New York Times no Brasil explicou que em algumas áreas do país, sobretudo as mais próximas do litoral, como Nova York e Los Angeles, há uma preocupação sobre a visão que os outros países têm dos Estados Unidos. No entanto, essa questão não chega ao interior. Estados como Dakota do Norte, Texas ou Novo México não são afetados pelo entusiasmo internacional. “As preocupações são muito locais, mais da economia e alguns assuntos sociais. Essa visão favorável que o presidente Obama tem no resto do mundo não repercute tanto nas decisões das pessoas que vão votar”, disse o jornalista.
Para Mac Margolis, a empatia internacional não só é indiferente para os eleitores dos nos Estados Unidos, como alimenta a narrativa republicana de que Obama é ótimo para os outros países e para os estrangeiros. “E tem o tema da nacionalidade dele, que é controverso, mas continua vivo nesta eleição”, explicou Margolis. As dúvidas sobre a origem da família de Obama, de acordo com Margolis, o tornam “suspeito” para determinados segmentos da sociedade – e o presidente acaba sendo visto como uma espécie de “alienígena”. Enquanto a visão de Obama ao redor do mundo é a de um progressista, nos Estados Unidos o presidente é acusado de ser comunista por alguns setores. Dines questionou como o pragmatismo norte-americano funciona neste confronto, que é ideológico.
Radicais e moderados
“É curiosa essa campanha porque você tem um país extremamente polarizado. De um lado, a direita, com este partido, o Tea Party, que quer uma revolução dentro do Partido Republicano, puxando para a extrema-direita, e você tem também uma ala da esquerda puxando o Obama. Sobraram os dois candidatos, que são basicamente moderados. Obama é um pragmático moderado, o Romney também”, ponderou Mac Margolis. O correspondente, em tom de brincadeira, disse que os dois candidatos correm o risco de serem “abduzidos” pelas alas mais radicas da sociedade.
Dines perguntou a Simon Romero se a mídia brasileira está conseguindo captar e traduzir para o leitor e o telespectador brasileiro todas as nuances do processo eleitoral dos Estados Unidos. Na avaliação de Romero, que diariamente lê os quatro principais jornais publicados no Brasil, o trabalho da imprensa brasileira tem sido excelente e é feito com seriedade e objetividade.
“A mídia brasileira presta muito mais atenção aos acontecimentos dos Estados Unidos do que a nossa mídia presta para o Brasil e para o resto da região. Eu sigo com admiração este trabalho que a mídia brasileira faz”, elogiou Romero. Na opinião do jornalista, a cobertura das eleições norte-americanas exige um grande esforço das equipes, que precisam se deslocar pelos Estados decisivos, como Ohio e Flórida.
Outros olhares sobre Obama
Colunistas e analistas brasileiros, na opinião de Dines, cobrem as eleições nos Estados Unidos com o olhar e os interesses da pauta brasileira. Assim, Obama está sendo analisado não pelas suas ações, mas pelo o que representa no Brasil, sobretudo no que diz respeito à intervenção estatal. Mac Margolis acredita que a postura dos colunistas está correta: “É claro que eles não vão chover no molhado e tentar fazer uma cobertura melhor do que o New York Times. As questões são outras”, disse.
Para o jornalista, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a cobertura desta campanha eleitoral tem sido muito mais criteriosa e minuciosa do que em 2008. Durante a primeira campanha de Obama à Casa Branca, o tom emocional ofuscou temas importantes e sobrecarregou a figura do presidente com expectativas impossíveis de serem concretizadas.
Tradicionalmente, às vésperas das eleições, os grandes veículos de comunicação norte-americanos declaram apoio a um dos candidatos, característica ainda não difundida na imprensa brasileira, com a exceções que confirmam a regra. Simon Romero contou que o momento em que o jornal declara o seu voto é sempre muito esperado, mas não chega a ser uma surpresa porque parte dos leitores já conhece as tendências da publicação.
“Na última vez, esta página [refere-se à op-ed, página de editoriais e opinião do NYTimes] se pronunciou em favor do Obama. É uma página bem liberal, no sentido norte-americano de ser mais aliado aos interesses democratas; é muito liberal socialmente também. É interessante como eles chegam a essas decisões. Nesta página também há outras opiniões. Tem um colunista chamado David Brooks que está fazendo um trabalho bem interessante, é uma voz conservadora dentro desta página, mas ele fez uma crítica feroz ao Romney na semana passada que repercutiu muito”, disse Romero.
Pressão total na reta final
Para Mac Margolis, a pressão em torno do candidato Mitt Romney, tido anteriormente como equilibrado, o levou a cometer uma série de gafes e a se identificar com a extrema-direita. “Jaula é a palavra perfeita. A alma não mais pertence a ele. Ele é um sobrevivente de uma disputa partidária feroz. Ele teve que agradar à direita e aos financiadores de campanha. Ao mesmo tempo, ele é um moderado”, disse Margolis. O jornalista destacou que, por conta das gafes que Romney cometeu, o candidato republicano acabou se tornando um importante cabo eleitoral de Obama.
A recente falsificação da capa da revista norte-americana National Review, onde o presidente Obama aparece em um comício, foi discutida no programa. A publicação gerou polêmica por manipular a fotografia da capa. Na imagem original, Obama discursa para uma plateia que segura cartazes com os dizeres “Forward” (em frente), mas na capa adulterada a palavra foi trocada por “Abortion” (aborto). Simon Romero comentou que “absurdos” como esses continuam ocorrendo em publicações de renome, mas as novas ferramentas de comunicação têm permitido aos leitores identificar as adulterações.
Dines comentou com Simon Romero que a figura do ombudsman é uma peça chave em períodos eleitorais. “É relativamente novo para nós. Surgiu depois dos problemas que tivemos há quase uma década com um menino chamado Jayson Blair [repórter que confessou ter falsificado entrevistas]. Depois disso, fizemos uma revisão interna das mudanças que tínhamos que fazer. Esses ombudsmans nem sempre escrevem coisas que a gente quer, não estamos sempre de acordo, mas é um papel muito importante de trazer transparência, de como funcionamos como jornal, como empresa”, disse Romero.
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Eleições americanas 2012
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 658, exibido em 25/9/2012
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
As eleições presidenciais americanas sempre despertam grande interesse nos quatro cantos do mundo pela intensa exposição da mídia. Desde 2008, com a candidatura de Barack Obama, o pleito americano internacionalizou-se, não porque fosse ele negro, mas porque sua candidatura incorporou com naturalidade as propostas da agenda global de aspirações e a ansiedade por mudanças.
A nova candidatura, em plena crise econômica mundial, reforçou sua imagem renovadora: Obama consegue ser pós-racial, pós-religioso e pós-ideológico no exato momento em que o mundo dá sinais de cansaço, com a longa história de conflitos raciais, religiosos e ideológicos.
O resultado dessa empatia universal ficou registrado numa sondagem no mundo divulgada na semana passada: 81% dos consultados votariam em Obama e apenas 19% escolheriam Romney. Israel e Paquistão são os países que preferem o republicano. Na Alemanha, Obama foi escolhido por 97% dos entrevistados.
No Brasil, 93% dos ouvidos votariam em Obama, embora grande parte dos colunistas de Política e Economia da mídia brasileira torçam o nariz para as iniciativas que reforçam o papel do Estado.
O que nos leva à questão central desta edição: a mídia brasileira está conseguindo oferecer ao seu leitorado o que, de fato, acontece no âmago do eleitorado americano?
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A mídia na semana
>> Qual é a graça? Depois da provocação do francês Charlie Hebdo, os alemães da revista Titanic sentiram-se obrigados a desafiar os radicais islâmicos. Para que, para chamar a atenção e esgotar a tiragem? Se o islamismo ainda não consegue conviver com a liberdade de expressão, pode-se dizer que no Ocidente o sensacionalismo está colocando em risco as regras de convivência democrática. Quando a caricatura e a sátira não conseguem divertir, melhor mudar de assunto, ou adiá-las.
>> Uma semana depois do furor causado pelo clipe sobre Maomé, a imprensa mundial revelou a existência de um fragmento de um possível “Evangelho da Mulher de Jesus”. A notícia foi publicada com o maior destaque na imprensa mundial, mas as religiões cristãs não a viram como blasfêmia, ninguém vandalizou a Universidade Harvard, onde o papiro está guardado. Neste século 21, a religião já não é mais inimiga da verdade.
>> Se a imprensa francesa resolveu respeitar a monarquia britânica e deixou de publicar os seios de Kate Middleton, possível futura rainha da Inglaterra, por que não demonstrou o mesmo cuidado com os desenhos de Maomé? Uma coisa precisa ser dita sobre as celebridades cujas fotos caem nas redes sociais: isso só acontece com quem adora mostrar sua intimidade. Quem tem pudor não está sujeito a este tipo de atentado.
>> A TV Globo, gigante da mídia eletrônica, uma das maiores redes de TV do mundo, será dirigida pela primeira vez na sua história por um jornalista profissional, Carlos Henrique Schröder, atual diretor de Jornalismo. É possível que a Copa do Mundo e as Olimpíadas tenham influenciado a decisão. De qualquer forma, a escolha do experimentado jornalista pelos acionistas vai na direção oposta da decisão do STF que não reconhece o jornalismo como profissão.
>> A presidente Cristina Kirchner não se corrige: no fim de semana, no horário da transmissão dos jogos de futebol, anunciou a antecipação do castigo ao Grupo Clarín. O maior grupo jornalístico argentino terá que se desfazer até o início de dezembro da grande maioria das suas 240 emissoras por assinatura, quatro TVs abertas e 10 estações de rádio. O prazo inicial era de um ano a partir de dezembro, mas como Cristina detestou a cobertura do Clarín sobre a onda de protestos de rua contra a sua política econômica, vingou-se. Está evidente que a ofensiva contra o Clarín deixou de ser uma política de desconcentração da imprensa para tornar-se uma desforra pessoal, mero capricho da senhora presidente.
>> Primeiro grande avanço produzido pela Comissão da Verdade confirma que o jornalista Vladimir Herzog não morreu enforcado como está no atestado de óbito, mas foi morto em virtude das lesões e maus tratos sofridos nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo. A reconstrução da história exige agora desvendar de que maneira um jornalista de São Paulo sabia, com semanas de antecedência, que Herzog seria preso.
>> O candidato Mitt Romney entrou no inferno astral a partir do momento em que foi confirmado como candidato pela Convenção Republicana. Seu mais recente dissabor foi produzido por um vídeo divulgado na semana passada, onde Romney confessou que não estava preocupado em ganhar os votos de 47% dos americanos que apoiam Barack Obama porque não pagam imposto de renda e vivem às custas do governo. O milionário Romney, membro assumido da Igreja Mórmon, agora quer também introduzir na disputa eleitoral a luta de classes.