Durante a pax romana, a grande preocupação existente no então Império era proteger os seus domínios das invasões dos bárbaros. Na formação do homem romano, como na formação do homem grego (paideia), havia um empenho no sentido de dotar os cidadãos de todo aparato cultural e civilizatório a fim de que eles preservassem o legado que se tornara sustentáculo de toda a grandeza imperial. Um império se constitui não apenas pelo seu poder bélico ou sua riqueza material, mas principalmente por sua cultura, pela inteligência de seus líderes e o comprometimento de seu povo. Desse modo, os tais bárbaros eram estranhos que não gozavam da educação preconizada pelos romanos. No Império Romano, a República foi tida como a grande conquista, motivo de orgulho, bastião daquele reino, de modo que era mister implantá-la nas nações conquistadas, ainda que isto custasse a guerra, o derramamento de sangue e a tirania.
Do mesmo modo, os Estados Unidos da América, império contemporâneo, se orgulha de sua democracia (desenvolvida lá por Tocqueville) e assim deseja implantá-la em outras nações subjugadas a ela. E o modus operandi não mudou muito; esse ideário é imposto a todo custo, de maneira autoritária, contrariando até os pressupostos da própria democracia professada. Exemplo disso temos na ocupação do Iraque. Este é o cerne da questão: é exatamente com essa ‘boa intenção’ que as ditaduras mais tiranas são concebidas.
O discurso da boa intenção
A concepção das ditaduras traz sempre em seu bojo a velha boa intenção: governar para o povo. Uma grande demagogia. O poder pertence a poucos, são poucos os que governam e esses governam antes em causa própria. Se o povo governar, há de haver anarquia e é por isso que se elegem representantes. Observem os acontecimentos no norte do Egito e naquela região do Oriente Médio. A população está se mobilizando, via internet, para destituir seus velhos ditadores: Mubarak, que ficou mais de trinta anos no poder e Khadafi, mais de quarenta. Mubarak ascendeu como hábil diplomata, paladino da paz; já Khadafi aliou a diplomacia às convicções religiosas (fanatismo islâmico). Stalin, na Rússia, após a revolução de 1917, como discípulo de Lenin, líder do partido bolchevique, surgiu de um movimento que combatia o autoritarismo dos czares e o capitalismo; no entanto, sua ditadura de 30 anos foi marcada por massacres e retaliação aos que se opunham ao seu regime. O fascismo também surgiu com uma proposta populista, pregando o nacionalismo e o amor à pátria. Logo depois veio o nazismo, que todos sabemos no que deu. Veja Cuba. Depois de tomar o poder das mãos do general Fulgencio Batista, Fidel tornou-se ditador irredutível, levando seu país ao isolamento político e econômico. Há exemplos mil: Saddam, no Iraque; Franco, na Espanha; a ditadura militar no Brasil, que demonizava o comunismo a serviço dos interesses norte-americanos; o antiamericanismo de Chávez e o próprio governo Bush, que se dizendo democrata adotou políticas autoritárias, beligerantes, extravagantes. Todos esses erigiram com o discurso de boa intenção.
Processos sutis e traiçoeiros
É muito perigosa esta idolatria que o povo brasileiro desenvolveu em relação ao ex-presidente Lula. Se não fosse nossa legislação, que não permite três mandatos consecutivos no executivo, Lula seria reeleito outra vez, gozando de amplos poderes para interferir até mesmo dentro dos nossos lares, como queria há pouco tempo, sancionando uma lei que impede os pais de educarem seus filhos com palmadas. É bom destacar que muitos ditadores chegam ao poder com o consentimento do povo e lá permanecem por intimidação a esse mesmo povo. Infelizmente, o Brasil é um país idólatra, carente de heróis, o que demonstra imaturidade política, falta de confiança própria e omissão. Getúlio Vargas, não obstante ser um dos nossos mais importantes estadistas, foi um pequeno ditador que o Brasil teve – e com o aval do povo. Lula elegeu sua sucessora e deve voltar mais ousado e com mais liberdade ao poder.
Os primeiros comportamentos de alguém que está prestes a se tornar um ditador são a sua intolerância com a oposição e com a imprensa. Desse modo, o eminente ditador sufoca a oposição (instância moderadora importante na política) e censura a imprensa, para que esta, além de não vigiar e criticar seu governo, ainda promova sua imagem e suas ações. Já notaram a intolerância que tinha nosso ex-presidente com a oposição e com a imprensa? A maioria dos ditadores se erigiu sob grande popularidade. Vimos no Egito como foi abrupta a destituição de um ditador, quanto sangue derramado, enfim. Ao contrário, para constituir um senhor tirano à frente de uma nação, os processos costumam ser sutis e traiçoeiros, sempre explorando os gargalos, as crises, as carências e as fragilidades do povo.
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Comerciante e jornalista, Belo Horizonte, MG