A iniciativa das agências de publicidade de cobrir com uma capa de anúncio a primeira página dos jornais produz, nesta quinta-feira, dia 21, um efeito interessante: a capa que cobre o primeiro caderno da Folha de S.Paulo, iniciativa de uma empresa privada de seguro-saúde, reproduz o noticiário do jornal de catorze anos atrás, quando a empresa foi fundada.
Por coincidência, uma das notícias estampadas na primeira página da Folha no dia 21 de julho de 1997 é quase igual a parte do noticiário desta quinta-feira.
Trata-se, claro, do antigo esporte brasileiro da corrupção.
Na Folha de 1997, aparece, sob o anúncio, a notícia de que o indicado pelo PMDB para assumir o cargo de diretor do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem em Minas Gerais era proprietário de uma construtora que teve a falência decretada no ano anterior.
Envolvido constantemente em acusações de irregularidades, o DNER seria extinto em junho de 2001, no processo de reestruturação do sistema federal de transportes.
As atribuições de manter, controlar, ampliar, fiscalizar e realizar estudos técnicos para a preservação e melhoria das estradas passou para o DNIT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.
Retirando-se a capa de publicidade com o anúncio e o fac-simile das notícias de 21 de julho de 1997, descobre-se que o DNIT herdou não apenas as funções do DNER como órgão executivo dos transportes rodoviários.
Herdou também as mazelas, a julgar pela sucessão de denúncias que tem produzido uma fila de demissões e ameaça a integridade da coalizão de partidos no governo.
A diferença é que, em 1997, o partido mais citado era o PMDB, também naquela ocasião agregado ao governo – no caso, o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato.
O PMDB continua agarrado ao poder, desde o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O Partido da República, protagonista principal dos escândalos de hoje na área de transportes, nasceu em 2006 da fusão do Partido Liberal com o Prona – Partido da Reedificação da Ordem Nacional – agremiação de nome pomposo e modos caricatos fundado pelo médico Enéas Carneiro, cujo legado principal é a instigante frase: “Meu nome é Enéas”
O fruto do casamento do Prona com o PL tem como atração principal no Congresso o palhaço Tiririca.
O feitiço do tempo
Tudo isso para dizer que, na política brasileira, mudam as siglas, ou, como se diz popularmente, mudam apenas as moscas, mas a prática continua a mesma: a apropriação do patrimônio público pela iniciativa privada.
Da mesma forma, o noticiário político costuma registrar ciclicamente os mesmos temas, conforme se pode verificar na sobreposição de uma capa de 1997 ao jornal dos dias de hoje.
A repetição dos vícios no poder revela que também a imprensa é incapaz de escapar desse “feitiço do tempo”, como naquele filme em que o personagem desperta toda manhã para viver outra vez o mesmo dia.
Nesta semana, os jornais noticiam a determinação da presidente Dilma Rousseff de eliminar do Ministério dos Transportes o esquema de corrupção que encarece obras e atrasa a recuperação da infraestrutura.
Em editoriais e nos títulos de reportagens, há uma clara tendência da imprensa a apoiar o que é chamado de “faxina”, com registros para ameaças veladas de dirigentes partidários, que acenam com retaliações contra as medidas que lhes tiram a fonte de renda.
É como se os jornais estivessem dizendo à chefe do governo que, se ela mantiver a pressão sobre os acusados, a imprensa vai apoiá-la.
Paralelamente, porém, há um esforço no noticiário e nas páginas de opinião para vincular a corrupção a uma herança do ex-presidente Lula da Silva.
Enquanto Lula recomeça sua peregrinação pelo interior do Brasil, como fez antes de se lançar candidato pela primeira vez, a imprensa procura associar sua imagem à da corrupção que a atual presidente promete combater.
Mas uma capa de anúncio envolvendo o jornal de verdade lembra que já em 1997, e ainda antes desse tempo, o Brasil sofria da mistura de interesses privados com os negócios públicos.
Só com uma reforma profunda no sistema partidário e eleitoral, com a criação de filtros rigorosos para a formação de partidos e registro de candidaturas, além da imposição de total transparência na administração pública, esse círculo vicioso poderá ser rompido.
Quando a imprensa começar a despersonalizar o noticiário, atacando as raizes da corrupção, estará fazendo um trabalho mais valioso.