Marilena Chaui, enfim, falou. Não da maneira como a imprensa gostaria, mas do jeito – e a quem – ela considerou mais apropriado.
Em tempos de excitação reacionária, logo surgiram réplicas condenando o seu gesto (há quem ache que Chaui decidiu se refugiar no ninho seguro e leniente dos seus pupilos). Não nos cabe inferir as intenções da filósofa, mas o seu desabafo é repleto de significações e, se não se deixar levar pelo revanchismo e pela auto-suficiência, a imprensa pode tirar boas lições dele.
Antes de se considerar como preponderante o fato de Marilena Chaui ser petista, é válido ressaltar que a sua ‘fala’ serve tanto para avaliar a atuação da mídia no governo Lula, como de paradigma para a cobertura dos futuros fatos políticos do país (independentemente da cor partidária dos envolvidos).
Perigosa inversão
Em seu texto, Chaui faz uma série de alertas sobre o modus operandi da imprensa. Alguns são fundamentais, a saber:
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A busca pelo furo a qualquer preço. Sobre isso, diz a filósofa: ‘(…) as notícias eram desencontradas e apresentadas como surpresas diárias’. De fato, um grande volume de denúncias desabou diariamente sobre o governo e o PT. Muitas ficaram pelo caminho; outras, sem a mínima conexão com os fatos investigados, foram potencializadas pelos holofotes das sessões televisivas das CPIs, tangenciando o caráter ‘espetacular’ da realidade contemporânea prevista por Baudrillard.**
A editorialização do noticiário. ‘(…) a notícia já é apresentada como opinião, em lugar de permitir a formação de uma opinião’. Outro ponto de vista pertinente da intelectual. As CPIs ainda não chegaram a nenhuma conclusão, mas a revista Veja, por exemplo, sentenciou categoricamente que ‘uma quadrilha com apetite pantagruélico avançou sobre o dinheiro público no governo Lula, naquele que vem se revelando o maior e mais audacioso esquema de corrupção da história política brasileira’. Aqui, como afirma Chaui, ‘indícios e suspeitas são apresentados como evidências, e, antes que haja provas, os suspeitos são julgados, culpados e condenados’.**
O eterno conflito público vs. privado. Diz Chaui: ‘na sociedade capitalista, os meios de comunicação são empresas privadas (…) operam como meio de acesso à esfera pública, mas esse meio é regido por imperativos privados’. Este Observatório já assinalou que, neste imbróglio político, a imprensa não busca a verdade dos fatos, mas, apenas, a comprovação de suas próprias teses. Ou seja, a reputação corporativa dos meios tem se sobreposto à cobertura fidedigna e pluralista dos acontecimentos (interesse público), numa perigosa inversão do ônus jornalístico.Estratégia a repensar
Isso tudo pode parecer desalentador, mas, na realidade, vivemos um momento de inflexão, que, paradoxalmente, pode apontar para uma profunda transformação da imprensa.
Se, por outro lado, a mídia recusar a chance de revisar suas práticas, arrogando-se o papel de sujeito social onipotente, será fatalmente tragada pela lógica da espetacularização – a mesma que deu as cartas na atual crise política.
A estratégia ‘do espetáculo e do terror’ não aumentou a vendagem dos veículos e precisa ser repensada, sob pena de inviabilizar a imprensa enquanto instrumento democrático e necessário ao fortalecimento da cidadania.
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