Lembrando algumas palavras do professor Luís Fernando Cerri, no Brasil o debate acadêmico está como que ausente. Pesquisadores consideram de mau tom criticar trabalhos de colegas publicados em revistas científicas. Situação que esperamos não grassar na esfera da crítica de mídia e da opinião. Dois textos publicados no OI nos chamaram a atenção, em especial, por sua abordagem unilateral: ‘A História do Brasil em grandes reportagens‘, por Deonísio da Silva em 14/9/2010 e ‘Falta análise nas reportagens‘, por Mauro Malin em 19/10/2010.
No texto ‘A História do Brasil em grandes reportagens’, o autor detrata a produção historiográfica em favor das reportagens jornalísticas que se aproveitam de aniversários de fatos históricos como alavanca no mercado editorial. Além do fato desses materiais não poderem ser comparados por seu caráter e perspectivas diferentes, a crítica da linguagem rebuscada utilizada na produção historiográfica já é velha a ponto de ter sido bem incorporada na produção dos historiadores. Tal fato pode ser observado facilmente na obra do historiador italiano Carlo Ginsburg O Queijo e os Vermes, direcionada também a um público mais amplo. Ou então no agradabilíssimo Nas Margens, da historiadora norte-americana Natalie Zemon Davis, autora também de O Retorno de Martin Guirre, que ganhou mais de uma versão cinematográfica.
Muito embora seja a produção acadêmica especializada que faça qualquer ciência avançar, no Brasil também os historiadores já estão demonstrando iniciativas capazes de alcançar um público mais amplo. Situação bem exemplificada por algumas publicações recentes da historiadora Mary Del Priore. Em O Príncipe Maldito, e também em Condessa Barral, a autora consegue compor de modo magnífico um painel multifacetado do século 19 a partir da vida dos personagens biografados. Não ocorre situação diferente em Matar para não morrer, onde autora revisita o episódio da morte de Euclides da Cunha pelas mãos do amante de sua mulher, Dilermando Reis.
O problema da unilateralidade
Bem mais problemático é o texto de Mauro Malin, ‘Falta análise nas reportagens’. O autor faz uma crítica a reportagens por demais descritivas e um de seus exemplos é uma reportagem sobre o meio educacional publicada na Folha de S.Paulo. A matéria criticada alude às demasiadas licenças médicas tiradas por professores. Segundo o autor da crítica, essa apenas mostra casos de professores que explodiram em sala de aula, mas não se satisfaz com a explicação da crise no meio docente, como bagunça generalizada ou ameaças de alunos. Malin ainda mostra grande desconhecimento do ambiente escolar sugerindo a falta de treinamento dos professores, pois nas licenciaturas dão pouco valor à didática e a um não empenho de diretores em manter um mínimo de qualidade de ensino e convivência.
O autor escreve como alguém que entende da realidade educacional, mas seus argumentos revelam uma postura no mínimo infeliz e equivocada. Certamente lhe seria de grande utilidade a leitura do texto ‘Por um melhor jornalismo educacional‘, do professor Gabriel Perissé neste mesmo Observatório, e também a reportagem ‘Professores querem mudar de profissão‘, exibida no Paraná TV na quarta-feira (27/10). Essa traz dados de uma pesquisa realizada com 500 professores no Paraná dos quais muitos, e cada vez mais jovens, estão contraindo doenças ligadas à depressão devido à rotina desgastante da sala de aula.
As abordagens realizadas por Silva e Malin também têm um problema em comum. A unilateralidade. O primeiro deixou de levar em conta que os historiadores certamente se preocupam com a linguagem em que as pesquisas históricas são divulgadas. O resultado é que sua pequena resenha ganhou aspecto de panegírico dedicado às reportagens. Já o segundo, ignora as causas principais dos problemas da educação no Brasil, embasando sua argumentação em aspectos secundários. Prática que chega inclusive a tirar a legitimidade de sua crítica. Nesse sentido, talvez seja preferível uma descrição bem feita que uma análise enviesada.
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Professor de História, Ponta Grossa, PR