‘Água benta… cada um toma quanto quer’, ensina o ditado popular. Diante da oferta de uma opção de vida (ou de atitudes, como a presunção) podemos ‘usar’ mais ou menos, usufruir do que podemos ter na medida do nosso querer.
A Igreja católica, com a eleição de Joseph Ratzinger, optou por uma dose cavalar de razão teológica, no contexto do seu terceiro milênio de existência. Bento 16 inaugura um pontificado em que a razão benta será o motor de seus pronunciamentos e decisões.
O único livro que tenho em casa da autoria do novo papa chama-se To look on Christ – exercises in Fait, Hope and Love, publicado originariamente em alemão, em 1989, e traduzido para o inglês nesta edição de 1991, pela St. Paul Publications. O livro está dedicado ao filósofo católico Josef Pieper.
Pois, como explicava o então cardeal no prefácio, sua análise das três virtudes teologais – fé, esperança e caridade – baseara-se na leitura de Pieper, cuja reflexão, por sua vez, encontra apoio no legado de Tomás de Aquino. O livro, na realidade, nasceu de um retiro que Ratzinger pregara em 1986 aos padres do movimento ‘Comunione e liberazione’, a pedido do fundador italiano, monsenhor Luigi Giussani. Além dos três capítulos sobre as três virtudes, acrescentou dois sermões pronunciados em 1988, no Chile. Trata-se de um livro que quer levar o fiel a agir de modo racional.
Tem início, curto ou longo, um período de maior racionalização dentro da Igreja. Uma razão teológica, que recrimina o relativismo, explica a doutrina detidamente, escreve livros (as encíclicas papais serão verdadeiros tratados filosóficos), ministra palestras. Uma razão em consonância com a fé. Uma resposta intelectual aos desafios da realidade.
Nada a dizer
Nas conferências de Ratzinger, o tema recorrente é a figura de Cristo como aquele que oferece uma razão de viver, que ensina uma arte de viver calcada em grandes e fundamentais idéias. E há também uma crítica constante (e de certo modo justa) à pobreza espiritual presente, tanto nas sociedades ricas como nos países pobres. Esta pobreza mais profunda é, nas palavras do papa alemão, ‘considerar a vida algo absurdo e contraditório’. Para Ratzinger, a vida se justifica à luz da teologia.
A nova evangelização que Ratzinger propõe tem uma estrutura e um método. Bento 16 é contrário à apelação, ao que ele chama a ‘tentação’ de querer resultados apostólicos à força do sentimentalismo, da exortação emocional. Tudo tem seu tempo. O ritmo do amadurecimento é lento. Este papa não quer ser pop. Prefere uma Igreja com poucos fiéis, mas que saibam dizer em que crêem e por que crêem.
A missão explicativa da Igreja em evidência. Isto não implica apostar na habilidade retórica. Não. Os investimentos serão na linha da argumentação objetiva. Do convite à conversão que começa na cabeça. Ratzinger gosta de lembrar que a palavra grega usada nos Evangelhos para conversão (métanoia) significa repensar, parar de viver como todo mundo vive, adotar um estilo de vida coerente com os princípios da fé e da moral.
O argumento da nova evangelização diz-nos que o unum necessarium para o homem é Deus. Daí tudo decorre. Para Ratzinger, o grande mal da humanidade é viver como se Deus não existisse. Ou como se, mesmo existindo, nada tivesse a dizer… ou fazer.
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Doutor em Educação pela USP e escritor, (www.perisse.com.br)