Nos últimos tempos a imprensa brasileira vem dando maior atenção a temas de natureza jurídica, divulgando informações e comentários sobre questões relativas aos tribunais, incluindo notícias sobre decisões em casos de maior repercussão popular e também a respeito de aspectos administrativos e operacionais do Judiciário. Assim, também, passaram a ganhar maior atenção as atividades de outros setores do sistema jurídico brasileiro, quando ocorrem problemas jurídicos que apresentam especial interesse por algum aspecto particular – como, por exemplo, pela repercussão na área política, econômica ou financeira.
Em princípio, é muito positiva essa atenção maior aos aspectos jurídicos da vida social, pois o respeito aos direitos é condição essencial para a garantia da dignidade da pessoa humana, para a convivência pacífica e para a qualificação do Brasil como Estado Democrático de Direito, como proclama a Constituição. Mas para que essa valorização das questões jurídicas pela imprensa seja, efetivamente, um progresso e produza resultados positivos é indispensável que haja maior cuidado no tratamento das matérias, a começar pela precisão na terminologia e por um prudente cuidado nas manchetes e nas conclusões. Para exemplificar, é comum a notícia de que uma autoridade pública deu um parecer, em casos em que o ato tem o caráter de decisão, e não de simples manifestação de opinião.
Como exemplo de informação imperfeita, é oportuno referir um caso bem recente, que envolve aspectos jurídicos e políticos de grande relevância e cujo noticiário poderá influenciar a opinião pública. Na edição de quarta-feira (26/8), o jornal O Estado de S.Paulo noticiou com destaque o possível julgamento, no dia 9 de setembro, do pedido de extradição do militante político italiano Cesare Batistti, pelo Supremo Tribunal Federal, informando que naquela data o tribunal decidirá se o italiano será extraditado.
Informação precisa
Assinalando que o caso ganhou repercussão internacional em decorrência da concessão de refúgio pelo ministro Tarso Genro, transcreve o jornal um trecho da fundamentação do ato concessivo do refúgio, concluindo, textualmente, que isso ‘destacou o ministro em seu parecer’. O equívoco está em que o ministro não deu parecer, não emitiu uma opinião, que poderia ser acolhida ou não, mas proferiu uma decisão, o que tem consequências jurídicas de extrema relevância.
A lei nº 9474, de 22 de julho de 1997, definiu mecanismos para implementação do Estatuto dos Refugiados, em decorrência da adesão do Brasil à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, aprovada pela ONU em 1951. De acordo com essa lei, cabe ao ministro da Justiça a decisão final sobre a concessão do refúgio, estando expresso no artigo 33 que ‘o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio’, decisão da qual, segundo a lei, não cabe recurso.
Assim, pois, no desempenho de suas atribuições legais o ministro da Justiça proferiu uma decisão, criando uma situação jurídica nova, o que não ocorreria com um simples parecer. Lamentavelmente, a imprensa fez confusão e tratou a decisão definitiva do caso como se fosse apenas um parecer do ministro, contribuindo para criar a ilusão de que o caso ainda não foi decidido e que o Supremo Tribunal Federal poderá julgá-lo concedendo a extradição. Por todas as implicações desse caso e por sua repercussão interna e internacional, é muito importante a informação correta e precisa pela imprensa, para orientação da opinião pública.
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Jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo