Vaziez soa mal, mas a palavra equivalente – vácuo – desgastou-se, perdeu o sentido: o Brasil está oco, é uma enorme lacuna. Brejo de poder, fosso de brios. Duas semanas depois do maior trauma institucional desde 1964 e desenrolado principalmente em São Paulo, o pedido de demissão de Nagashi Furukawa, secretário de Administração Penitenciária, é um escárnio.
Quem deveria afastar-se, de preferência ser afastado, é o secretário de Segurança Saulo Abreu, responsável por um tremendo fiasco (a incapacidade de prevenir o motim do PCC) e por uma matança inaceitável (a represália policial que a ele se seguiu).
Na verdade, o responsável máximo pelo doloroso espetáculo é o governador Cláudio Lembo. Seu desempenho foi simplesmente lamentável do início até agora. Infalível: na dúvida, escolhia sempre a opção pior. Trata-se de um político experiente, decente, educado, culto, tolerante, mas cuja bagagem de incontáveis atributos pessoais não impediu que cometesse todos os erros que poderia cometer. As Leis de Murphy, enfim, ganharam um modelito nativo.
Recusar a ajuda federal naquela emergência foi uma assombrosa tolice e – o pior – visivelmente inspirada nos ideais antifederais da Revolução de 1932, que faziam sentido naquele momento e hoje, em plena Era do Terror Global, são tresloucados. Não contente, Lembo autorizou a negociação com o comando da quadrilha de criminosos que humilhava o Estado e ameaçava a sociedade brasileira. Não contente ainda, abriu o berreiro reclamando da falta de solidariedade dos aliados. Qual o político cônscio de seus deveres que emprestaria seu apoio a tamanha sucessão de, digamos, dislates? Cláudio Lembo deveria agradecer aquele silêncio respeitoso, o certo seria um protesto público.
Entendimento suprapartidário
Escancarou-se mais ainda o nosso buraco, quinta-feira (25/6), na Câmara do Deputados, quando um advogado a serviço da bandidagem disse aos representantes do povo o que o povo pensa deles: são um bando de malandros. Errou no adjetivo, malandro é preguiçoso, a Câmara está hoje empenhadíssima na defesa da impunidade a ponto de ser designada abertamente como CNI, Central Nacional de Ilicitudes.
Algemar o meliante com canudo de bacharel e deixar os parlamentares sanguessugas sem investigação, fingir momentânea altivez enquanto a Mesa Diretora prossegue, impávida, na desmoralização da Casa, só serviu para ampliar o gigantesco buraco no qual estamos sendo enfiados.
Com um Legislativo avacalhado pela trinca Sarney-Renan-Aldo interdita-se a principal via para um pacto político contra o crime organizado – e fica mais distante a idéia de uma coalizão nacional contra o narcoterrorismo como aconteceu na fragmentada Itália quando resolveu enfrentar a Máfia.
Parlamentares honrados e capazes de colocar suas preocupações cívicas acima do oportunismo pré-eleitoral perderam o único fórum onde poderia germinar o clima para uma trégua e o entendimento suprapartidário em torno das emergências geradas em 14-15 de maio.
Dinâmica trágica
Como alarme alternativo só restou a imprensa, mas seu potencial convocatório ficou muito prejudicado pelo efeito-cascata dos ataques e das represálias e, forçoso reconhecer, pelo oba-oba deletério da Copa do Mundo. O país está perdido no atoleiro e não percebeu.
O chefe da nação transferiu-se cedo demais para os palanques e os outros elder statesmen, estadistas seniores, obrigaram-se a segui-lo nas mesquinhas lides impostas pelo cotidiano. Nos tempos bíblicos, os profetas encarregavam-se das advertências e premonições, às vezes pagavam por isso, ridicularizados pela patuléia ou perseguidos pelos poderosos. Neste nosso infeliz universo comandado por resultados já não há lugar para radares afinados para perceber impasses e rupturas.
Marcola, o bandido-mor, sem querer, mostrou que eleições não são as únicas oportunidades de mudança. Até agora, não apareceu quem soubesse decodificar esta mensagem. Mais fácil optar pela rotina e por esta trágica dinâmica da omissão, inércia disfarçada, ação fingida. Inação.