Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A ‘escolhida’ de Lula

Ainda é cedo para saber como os eleitores vão reagir à intensa campanha – começada bem antes do permitido pela lei eleitoral – de Dilma Rousseff à presidência da República. Mas uma vitória ela já tem: fez a imprensa quase esquecer o fato de que ela é mulher. A primeira mulher com chances reais – graças ao apoio de Lula, aos recursos do PT e à máquina do governo – na disputa à Presidência da República.

Superado o fato de ser mulher, a candidata do PT, lançada oficialmente pela convenção do partido no último fim de semana, tem outra luta pela frente: fazer a mídia esquecer que ela é a ‘escolhida do Lula’ e valorizar sua história pessoal e suas idéias. Na imprensa é mais conhecida por ser ex-guerrilheira do que por outra coisa.

Dilma foi manchete dos grandes jornais e revistas no fim de semana e é interessante verificar que apenas o jornal O Estado de S. Paulo começou falando do seu gênero:

‘A mulher escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como sua herdeira política atravessou o caminho do PMDB, que hoje tenta conquistar, na transição do governo em 2002. Foi no fim daquele ano que Lula, então presidente eleito, desfez um acordo para dar ao PMDB o Ministério de Minas e Energia, entre outros cargos, e anunciou que o comando da pasta ficaria com Dilma Vania Rousseff. Estava selado ali o destino da ex-guerrilheira que encantou Lula, furou a fila do PT na disputa pela cadeira do chefe e, anos depois, viu personagem da mesma história se cruzarem na cena política.’

Sorrisos artificiais

A Folha de S.Paulo trouxe um excelente perfil, falando da vida pessoal da candidata e acabou mostrando – sem dizer – o pioneirismo da ministra, que é de uma geração em que as mulheres ainda eram educadas para o casamento e a vida dentro de casa.

Conta a Folha de S.Paulo que numa viagem recente a Belo Horizonte, Dilma Rousseff encontrou uma velha amiga do Colégio Sion, escola na qual cursou o ensino fundamental a partir de 1955 na capital mineira. ‘Ela me disse que só uma aluna da minha turma era psiquiatra, tirando também outras duas que eu conheço e seguiram carreira profissional.’ E o restante? ‘As outras todas eram donas de casa’ (Folha, 21/2/2010).

A revista Veja preferiu falar dos problemas que a candidata vai enfrentar durante a campanha, aproveitando para destacar algumas características pessoais da candidata:

‘O caminho daqui para a frente vai exigir de Dilma mais do que samba no pé e jeito com crianças. Seu repto eleitoral é de uma ousadia ímpar. Sem nunca ter enfrentado nem eleição de condomínio, ela vai buscar os votos dos eleitores para tentar suceder ao mais popular presidente da República da história brasileira recente. Organizada e centralizadora, ela vai se deixar levar caoticamente por uma caravana eleitoral que exige fôlego de atleta, concentração de enxadrista e prontidão circense. Com um humor superficial facilmente azedável e dona de opiniões incontrastáveis, quase hieráticas, sobre os temas técnicos mais arcanos, ela vai ter que retribuir com sorrisos artificiais nos palanques os comentários mais estúpidos’ (Veja, 21/02/2010).

Um serviço à causa das mulheres

A grande diferença entre Dilma e a primeira candidata à presidência (a senadora Heloísa Helena, em 2006) é que a ministra entra na campanha abençoada pelo presidente, enquanto Heloísa Helena abriu mão de um mandato no Senado para dar maior visibilidade ao seu partido, o PSOL. Conseguiu 6,5 milhões de votos e, derrotada, voltou para seu estado natal. Seria uma boa candidata nas próximas eleições, mas preferiu apoiar Marina da Silva, a ex-ministra do Meio Ambiente, que brigou com o governo, com PT e hoje faz uma campanha quase indigente pelo PV.

Embora sua biografia seja tão fascinante quanto a da ministra Dilma Rousseff, Marina dificilmente terá, na mídia, o mesmo espaço destinado à candidata do PT. Preconceito por ela ser mulher? Não. O que parece é que a imprensa tem um tal fascínio pelo poder, especialmente pela figura do presidente Lula – ou por qualquer governante – que tudo que vem com chancela oficial merece destaque. Tanto que a Veja, ao falar da candidatura de Dilma, reservou um espaço para contar a história de Lula em fotos.

Ao ver a cobertura da mídia sobre a candidata e seu mentor, fica a dúvida: será que um dia, eleita ou não, Dilma conseguirá ser retratada pela imprensa pelo que ela é, e não apenas como aquela que foi escolhida para suceder Lula? Ou aqui, como na Argentina, ela será sempre retratada pela mídia como a sombra do ex-mandatário?

Se – eleita ou derrotada – Dilma um dia vai ser citada pela mídia apenas por seus méritos, isso ainda é um mistério. Mas, pelo menos ela já conseguiu que a mídia deixasse de fazer alarde ao lado ‘feminino’ da candidata. Nas matérias do fim de semana, apenas Veja mencionou a cirurgia plástica e as lentes de contato como arsenais de campanha. Muito pouco, se compararmos com antigas matérias que só falavam da cirurgia plástica, da maquilagem e cabelos da futura candidata. Quanto a Marina, os jornais preferem falar da formação evangélica e da rotina do fim de semana: cuidar da casa, ir ao supermercado e fazer palestras na Igreja.

Passada a eleição, seja qual for o resultado, Dilma e Marina terão prestado um grande serviço à causa das mulheres: provaram que as mulheres, ao menos na política, se igualam em direitos e comportamento com os homens. Resta saber se, no poder, vão fazer algo que as diferencie dos homens.

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Jornalista