Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

À espera da decisão de Dilma

 

Os jornais desta quinta-feira, dia 24, informam que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), órgão de aconselhamento da Presidência da República, recomendou que a presidente Dilma Rousseff vete integralmente a proposta de Código Florestal aprovada pela Câmara dos Deputados. Na mesma edição, a imprensa relata que a Associação Nacional dos Municípios pede que a presidente sancione o projeto na íntegra.

As razões apontadas por uns e outros são opostas: os prefeitos acham que a proposta fará com que seus municípios percam grandes áreas agrícolas, enquanto o Consea afirma que a flexibilização do Código é que coloca a agricultura em risco.

O economista Ignacy Sachs, considerado um dos maiores especialistas do mundo em desenvolvimento sustentável, costuma dizer que o esporte predileto de muitos brasileiros não é o futebol, mas o “chute de números”. Cita como exemplo a facilidade com que empresários falam na criação de “empregos indiretos” ao justificar seus projetos, quando se sabe que esse é tipicamente um dado difícil de quantificar.

Da mesma forma, o presidente da associação de administradores municipais vem a público para dizer que o Código Florestal fará com que 4 mil municípios percam de 30% a 40% de suas áreas de produção – o que representa mais um chute no jogo dos palpites. Ainda assim, preferem a versão da Câmara dos Deputados, porque acham que a anterior, aprovada pelo Senado, traria ainda mais prejuízos.

Trata-se claramente de um confronto entre razões diferentes, e, dada a extrema contradição entre elas, apenas uma poderá estar mais próxima da verdade e daquilo que deve ser o melhor para o país.

Uma análise apressada diria que os prefeitos, por estarem situados mais próximos do problema, teriam melhores condições de avaliar a situação dos proprietários agrícolas diante da possibilidade de terem que cumprir a lei. Mas é preciso considerar também que os 57 integrantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar são especialistas altamente qualificados e possuidores de uma visão mais ampla da questão.

Há ainda outros protagonistas envolvidos na polêmica: militantes do movimento ambientalista, a bancada ruralista no Congresso, associações de cientistas e representantes do Judiciário.

Para a biografia

A presidente da República tem prazo até esta sexta-feira, dia 25, para se manifestar sobre o texto aprovado na Câmara dos Deputados. Os jornais afirmam que ela dificilmente fará um veto integral e que ainda tenta convencer os líderes dos partidos da base aliada quanto à racionalidade da decisão que está para anunciar.

Entre os 84 artigos da versão produzida pelos deputados, a proposta de anistia aos desmatadores, contrabandeada para dentro da versão original pela bancada ruralista, é considerada inegociável. Mas o governo tem que lidar também com a questão política e evitar o risco de ver sua decisão derrubada pelo Congresso.

Ainda que de maneira tímida, os jornais tendem a apoiar uma legislação que se aproxima da proposta defendida pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – e que se opõe frontalmente à flexibilização pretendida pelos ruralistas, que na prática elimina o controle do Estado na defesa do patrimônio ambiental.

Apesar de suas relações históricas com os agronegócios, até mesmo o Estado de S. Paulo tem aberto espaço para o lado mais racional e menos particular da questão. No entanto, observando-se, por exemplo, que nesta quinta-feira o tradicional diário paulista coloca os representantes dos prefeitos no alto da página, com maior destaque, e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar em segundo plano, pode-se imaginar para que lado realmente balança o jornal.

Os ambientalistas já enviaram seus abaixo-assinados, e embora sejam vistos mais como militantes do que como especialistas, é preciso reconhecer que seus protestos ruidosos ajudam a chamar a atenção da sociedade para a defesa de seu patrimônio comum. Os magistrados também se manifestam, argumentando que uma lei controversa poderá congestionar os serviços da Justiça.

No ponto central da discórdia, a presidente terá que decidir se cede à bancada ruralista, que não parece ter outro compromisso que não seu próprio interesse, ou se reconhece os estudos apresentados por seus conselheiros no campo científico.

Essa decisão, crucial para o futuro do Brasil, será tomada em véspera de eleições e no meio de uma nova crise de corrupção. A presidente Dilma Rousseff estará escrevendo mais um capítulo empolgante em sua movimentada biografia.