Seria um despropósito neste momento transcendental da história da imprensa discutir a foto publicada na capa de um jornalão do último domingo?
Diante de tantas e tão graves ameaças aos fundamentos da indústria jornalística e ao próprio sistema que permitiu o seu extraordinário desenvolvimento (o capitalismo), é lícito perder tempo para discutir a exibição de maneirismos?
Acontece que esses maneirismos são evidências do delírio a que se entregam algumas redações, tanto na periferia como no núcleo central da indústria.
A foto do alto da primeira página da Folha de S.Paulo do domingo (25/9) remetia para uma matéria do untuoso mensário Serafina, editado pelo Grupo Folha e encartado no seu carro-chefe. Não se trata propriamente de uma matéria, mas de um grupo de três fotos já publicadas na imprensa de escândalos da Alemanha: sete mulheres nuas exibindo o peito sem mamas por causa das mastectomias que sofreram para livrar-se do câncer.
Luto e fleuma
A série foi publicada anteriormente no tablóide sensacionalista Bild e depois no semanário Stern ambos inspirados nos mesmos padrões jornalísticos do finório Rupert Murdoch.
Em preto e branco, ambiente lúgubre, caricatura do expressionismo e do grand-guignol dos anos 1920. O avesso do erotismo, a estética do bizarro a serviço de um vanguardismo arruinado.
O título é um hino ao mau gosto, oposto à finesse que se tenta emplacar – “Uma mulher de peito”. A compaixão que as fotos deveriam suscitar dirige-se ao jornalão “a serviço do Brasil” que a publicou com tanto destaque numa edição carregada de anúncios dedicados ao alegre mês das crianças.
Audácia própria dos que se comprazem em mutilar-se antes do suicídio, a Folha merecia uma degradação mais estilosa. Ou vestir luto com mais fleuma. Entregar-se ao circo de horrores com tanto panache é próprio de quem não tem noção da sua importância. Nem faz questão de lembrá-la.