Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A farsa contra a Folha

Na segunda-feira (16/03), a Rede Record mostrou uma longa reportagem negando informações veiculadas recentemente na Folha de S.Paulo referentes à emissora de Edir Macedo e, conseqüentemente, à igreja Universal do Reino de Deus. As informações foram veiculadas na coluna de Daniel Castro.

Na coluna, que trata sobre televisão, Castro afirmou, entre outras coisas, que a Record está num processo de contenção de despesas e que a outra emissora do grupo – a Record News – está com audiência à beira do zero ponto do Ibope, não tendo conseguido até agora atrair anunciantes. Castro também diz na coluna que profissionais de outras emissoras concorrentes da Record insinuaram que a ‘sacolinha das ofertas’ está sendo usada para alavancar a emissora. Por fim, Castro citou em sua coluna que a direção da Universal passa por momento crítico e que Edir Macedo está doente, com diabetes e muito magro – citando a revista CartaCapital como fonte da informação.

Não sou, no momento atual, apreciador da Folha. Já fui, tempos atrás. Hoje a vejo como um jornal monolítico, que não se renovou através dos anos, sendo até hoje lembrado como ‘o jornal das Diretas’. A Folha, a cada dia que passa, parece perder o vigor de tempos idos. Mas assumo que a Folha é um jornal plural e independente, qualidades indispensáveis para mantermos a democracia de pé. E gostaria aqui de defendê-la.

Os interesses da Universal

A rixa entre Record e a Folha já dura mais de um ano, desde que Elvira Lobato escreveu no jornal sobre a estrutura empresarial de Edir Macedo, em dezembro de 2008. No texto, Elvira diz que Macedo é o maior proprietário de emissoras de TV e rádio no Brasil e que sua fortuna ultrapassa os bilhões de reais. A matéria foi usada por Macedo para mover ações contra Elvira, ações estas patrocinadas por membros que, segundo a igreja, ‘haviam se sentido vítimas de preconceito religioso’ por parte da jornalista e da Folha de S.Paulo.

Os jornais, como os demais veículos de comunicação, estão estruturados para noticiar os fatos e analisá-los na medida do possível de modo imparcial e apartidário. O jornalista vai atrás da noticia. E Edir Macedo, junto com sua igreja, é – queira ele ou não – uma fonte que se mostra infindável de notícias, muitas delas não muito favoráveis ao grande corifeu e seus métodos de divulgação de sua fé.

Edir Macedo, ex-funcionário público que começou pregando o evangelho no salão de uma funerária, tornou-se líder religioso brasileiro sem precedentes na trajetória nacional. Pautado por alguns princípios protestantes tradicionais que foram somados à Teologia da Prosperidade norte-americana juntamente com bom senso de marketing e de negócios, Macedo montou um império religioso-midiático que se espalha por mais países do que a franquia McDonalds. Para dar apoio à igreja no campo político, loteou o legislativo com vários representantes da igreja para que defendessem os interesses da Universal. Apoiou Lula nas duas últimas eleições, sendo que este soube retribuir a fidelidade injetando milhões de publicidade estatal nas emissoras de Macedo.

Tiragem magnífica, qualidade não tanto

Se pode ser tida como útil a conhecida frase ‘à mulher de César, não basta ser séria, tem que parecer séria’, Edir Macedo parece desconhecê-la ou pelo menos o sentido que ela carrega. Macedo acusa a Folha de preconceito religioso. Uma coisa recorrente na fantástica trajetória macediana é o argumento de ser perseguido religioso inúmeras vezes. Utiliza-se da simbologia protestante de religião perseguida e que causou a imigração de inúmeros calvinistas europeus rumo à América do Norte. Os imigrantes, conhecidos como pilgrims, os pioneiros habitantes do solo que formaria os Estados Unidos anos depois, podem ser considerados legítimos perseguidos religiosos porque a história assim o quis.

Mas Macedo não é perseguido. Se o é, é apenas pelo lado jurisprudente e jornalístico porque suas atitudes não condizem com suas pregações, que carregam o viés da justiça, da honestidade, da fraternidade (se bem que em doses ínfimas), do auxílio ao próximo, encontradas nas religiões cristãs. Macedo não pratica nenhuma destas virtudes em seus negócios, nem em sua conduta. Achincalha em suas emissoras religiões diversas, inclusive os próprios protestantes tradicionais, por seu conservadorismo e falta de proselitismo exacerbado.

Ao contrário dos protestantes clássicos – presbiterianos, batistas, metodistas, luteranos e até adventistas –, que se engajam em suas escolas confessionais e universidades no ensino, na pesquisa e na divulgação cultural, Edir Macedo fomenta a ignorância da população em geral em seus canais televisivos, que mostram o que há de pior atualmente. São programas de auditório que nos fazem ter saudade de Chacrinha, show de pegadinhas armadas, humorísticos de gosto vulgar, jornalísticos parciais que, quando possível, enfocam os deslizes do clero católico ou então divulgam matérias relacionadas ao luxo e seus derivados – matérias que certamente serão reutilizadas nos programas de negócios na madrugadas da Record. Há também a Folha Universal, com sua magnífica tiragem de 1 milhão de exemplares semanais, inversamente proporcional à sua qualidade editorial.

A verdade histórica

Na matéria em que nega os conteúdos veiculados pela Folha, Afonso Mônaco, num papel jornalístico lamentável, foi até a frente do Grupo Folha. Ali associou a queda das tiragens do matutino às notícias nele veiculadas. Disse que a Folha passa por crise de credibilidade. A reportagem de segunda-feira (16/3) é um sintoma. Sintoma de que a farsa de Edir Macedo parece estar chegando a um desfecho próximo. Personagem que abusa do poder religioso e financeiro e se utiliza de seus canais de comunicação para proferir meias verdades, temendo perder o poder há tempos arrogado para si.

Em sua biografia, Macedo diz que muitos mortais pensam que têm poder, mas que quando morrem os cães urinam em suas lápides. Macedo parece ter percebido que não é imortal e que o castelo de areia que ergueu – ou a farsa que fomentou – cairá, não por causa de notinhas televisivas deste ou daquele jornal, mas porque a verdade é revelada e assimilada pelo conjunto da sociedade, não importando o tempo para que isso aconteça. E a imprensa livre é indispensável para que a verdade apareça. Não a verdade de cada um, e sim, a verdade histórica.

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Professor de inglês, Taboão da Serra, SP