Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A festa interrompida

Nos dois jornais paulistas de circulação nacional, reportagens sobre a festa proibida pela reitoria da Pontifícia Universidade Católica trazem à tona algumas questões que costumam ser tratadas pela imprensa com muita superficialidade. Uma delas é a autonomia da universidade, tema que anda fora de moda mas volta ao debate quando, por exemplo, um crime em território acadêmico levanta a conveniência ou admissibilidade da presença ostensiva da polícia no campus. Outra questão, que ressurge no caso da PUC-SP, é a da descriminalização da maconha, tema da festa proibida pelo reitor Dirceu de Melo nesta sexta-feira, 16.

A questão da autonomia do campus universitário e da administração do ensino acadêmico era tema comum de discussões durante o período da ditadura militar, quando as invasões e detenções de alunos e professores eram rotina. A mais ruidosa delas ocorreu em 22 de setembro de 1977, quando o então secretário da Segurança Pública paulista, durante o governo de Paulo Egydio Martins, coronel Antonio Erasmo Dias, comandou a ocupação do campus da rua Monte Alegre, no bairro de Perdizes, com extrema violência, para impedir a realização de um congresso que pretendia refundar a proscrita União Brasileira de Estudantes. Na mesma ápoca, a polícia manteve durante dias um cerco aos territórios da PUC, da Universidade de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas para impedir encontros de estudantes.

Alguns líderes do 1º Festival da Cultura Canábica, em protesto contra a proibição da festa pelo reitor Dirceu de Melo, sacam o argumento da autonomia e do direito de celebrar qualquer coisa.

Nos jornais, o Estado de S.Paulo oferece mais espaço à polêmica do que a Folha, reproduzindo manifestações de ambos os lados e informando que o hábito das festas às sexta-feiras, que transforma o bairro de Perdizes numa imensa e ruidosa “balada”, está com os dias contados.

A Folha publica texto de um colaborador, no qual se destaca um aviso dos organizadores para que os participantes não levem drogas, pois haveria policiais no evento, e informa que não seria distribuida a “matéria-prima essencial” ao movimento pela descriminalização da maconha.

Uma pauta ausente

Os jornais certamente planejaram enviar repórteres para a rua Monte Alegre no horário previsto da festa, para conferir se as medidas tomadas pela reitoria vão assegurar uma noite de sono aos moradores da região ou se, insistindo na realização do encontro, a concentração de alguns milhares de estudantes pode gerar conflitos. Segundo os jornais, pelo menos 6 mil alunos haviam confirmado presença.

Mas, muito além do episódio em si, faz falta na imprensa um mergulho mais criterioso no que se transformou o movimento estudantil depois da redemocratização. Há evidências de que a inviolabilidade do território acadêmico tem sido utilizada para finalidades menos nobres. As festas de recepção de calouros se transformaram em festivais de iniciação ao alcoolismo, com patrocínio de distribuidoras de bebidas. A indústria aproveitou a ampliação do mercado para criar novos produtos, como as bebidas à base de vodca diluida em refrigerante, muito do gosto feminino.

Dessa forma, sob o incentivo de centros acadêmicos e associações atléticas, vai-se consolidando o uso do álcool entre os jovens. As drogas seguem o mesmo percurso, e em muitas universidades não há razões para campanhas pela descriminalização da maconha, porque o uso é livre e aberto.

O campus da PUC já foi ocupado, anos atrás, por traficantes, que atuavam livremente nos corredores e chegaram a interromper aulas. A Folha de S. Paulo chegou a publicar reportagem demonstrando que as autoridades acadêmicas de muitas universidades paulistas não tinham políticas para a prevenção do alcoolismo ou da adição a drogas.

A atitude do reitor da PUC, recebida com certo distanciamento pelos dois jornais mais importantes de São Paulo, merece uma análise mais profunda. É sabido que os jovens ingressam muito cedo nas universidades, e há indicações de que, excessivamente protegidos na adolescência, muitos não sabem como agir diante da ampla liberdade que encontram no ambiente universitário.

Não se está dizendo aqui que as liberdades devem ser tolhidas. Mas o fato de um reitor ter que proibir uma festa para restabelecer alguma ordem no campus indica que alguma coisa andou fora de controle por muito tempo.

O Brasil vai bem economicamente, a sociedade celebra a redução da pobreza e as perspectivas de desenvolvimento são concretas. Mas o país ainda tem imensos desafios sociais e institucionais pela frente, entre os quais a má qualidade da educação. O fato de estudantes se mobilizarem apenas para defender o uso de drogas deveria estar provocando comichões nos pauteiros dos jornais.

Ou será que a imprensa prefere assim?