Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A guerra da mídia na Argentina

Longa reportagem na edição de domingo (28/8) da Folha de S.Paulo relata o recrudescimento do conflito entre o governo da presidente argentina Cristina Kirchner e parte da imprensa do país, em especial o Grupo Clarín.

De acordo com o jornal paulista, a vitória de Kirchner, que foi apoiada por mais de 50% do eleitorado em votações primárias realizadas duas semanas atrás, consolida a aprovação da sociedade à sua reeleição e representa apoio direto em sua cruzada contra o monopólio da mídia. Essa é, pelo menos, a interpretação do governo, segundo a Folha.

Embora não tenha havido uma conexão explícita entre o conflito que coloca em lados opostos o governo Kirchner e a imprensa tradicional na Argentina, ao se submeter à votação primária a presidente colocou seu prestígio sob o crivo dos jornais, correndo o risco de ter sua popularidade afetada por artigos e editoriais com críticas ao seu governo.

Agora, estimulados pelo resultado eleitoral, assessores da presidente anunciam que irão levar até o fim o projeto de diversificação da propriedade dos meios de comunicação definido na Lei de Serviços Audiovisuais aprovada em 2009. O Grupo Clarín conseguiu suspender temporariamente na Justiça a aplicação das novas normas, mas a vitória de Cristina Kirchner está sendo interpretada como apoio da sociedade à sua proposta.

Futebol livre

O conflito entre o governo e o principal grupo de comunicação da Argentina tem ainda como elemento importante as acusações de que o Grupo Clarín apoiou a ditadura militar que dominou o país entre 1976 e 1983, apropriando-se de uma fábrica de papel e aproveitando a relação com o regime militar para ampliar privilégios.

O governo deu curso a novas medidas para reduzir o poder do grupo de comunicação, como um projeto que considera o papel-jornal um insumo de interesse nacional, além de estar ampliando e fortalecendo as emissoras de televisão aberta, para contrabalançar o poder da Cablevisión, principal operadora de TV a cabo da Argentina, pertencente ao Grupo Clarín.

Nesse conflito, o governo também resolveu estatizar o campeonato argentino de futebol, que antes era exibido apenas em um canal pago, de propriedade do Clarín, e agora passa na TV pública.

Cristina e Dilma

Qualquer comparação com a situação da mídia no Brasil seria pura maldade. No entanto, também não há como resistir a certas semelhanças entre a estratégia do Grupo Clarín e a das Organizações Globo, por exemplo.

Embora o Clarín exerça um verdadeiro monopólio, pela ausência de efetivos competidores na oferta de TV a cabo, sabe-se que a enorme vantagem da Rede Globo em relação às outras emissoras tem características que poderiam ser consideradas lesivas aos valores da livre concorrência.

A começar pela forma como são negociadas as cotas para transmissão dos jogos de futebol, que submetem a população à necessidade de pagar altas taxas para assistir determinadas partidas.

As Organizações Globo também têm largas vantagens no que se refere às redes de TV a cabo, mas o tamanho do território brasileiro dificulta a prática do monopólio, como acontece na Argentina.

O custo da infraestrutura de cabos já causou grandes transtornos ao Grupo Globo, exigindo o socorro do BNDES, que ajudou a reorganizar as dívidas da empresa em 2002.

Olho no vizinho

Os representantes da Globo costumam creditar seu sucesso ao chamado “padrão Globo de qualidade”, mas há controvérsias. No ramo da dramaturgia, por exemplo, a emissora ainda vive das caras e bocas e das tiradas de humor rasteiro inspiradas no teatro de revista – é o “padrão Carlos Manga” de interpretação.

Pode-se afirmar que as Organizações Globo não são o Clarin também porque mantiveram sua sede no Rio de Janeiro. Se fosse uma empresa dominante em São Paulo, onde o mercado é expressivamente maior, certamente seu poder seria mais efetivo.

Já nos anos 1990 sabia-se que a única saída da empresa era a Via Dutra e a associação com a Folha de S.Paulo para criar o jornal Valor Econômico foi vista por analistas como uma forma de explorar o mercado paulista.

Mas há também diferenças entre Cristina Kirchner e Dilma Rousseff.

A família Kirchner está no poder desde 2003 e Cristina tenta a reeleição, enquanto a presidente do Brasil procura consolidar seu primeiro mandato. De qualquer maneira, não deixa de ser instigante observar de perto o que acontece na Argentina.

Pelo menos pela possibilidade de, no domingo, poder assistir a partida de seu time predileto sem ter que pagar por isso um preço abusivo.