A reportagem que ocupou manchete da Folha de S.Paulo na edição de domingo (16/10) surpreende o leitor por vários aspectos. O primeiro deles é o volume de investimentos previsto para a região amazônica: segundo o levantamento do jornal paulista, seriam no mínimo R$ 212 bilhões a serem aplicados nos nove estados da região até 2020.
Trata-se do maior projeto de desenvolvimento regional já produzido no Brasil, cujo montante equivale a mais de quatro vezes o total de capital estrangeiro que ingressou no país em 2010 e o dobro do investimento previsto pela Petrobras para a exploração das reservas do pré-sal até 2015.
O título na primeira página, por si só, poderia inspirar grandes debates sobre o tema do momento em todo o mundo: “Amazônia vira motor do desenvolvimento”.
Exploração mineral
A reportagem resulta de levantamento feito por dois repórteres com base nos projetos do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento – e nos principais projetos privados em desenvolvimento no chamado Arco Norte.
São essencialmente obras de infraestrutura, com grande destaque para geração de energia que servirá de base para projetos de transporte e mineração, associados a uma ambiciosa estratégia para atrair indústrias destinadas a compor um corredor de exportações que inclui Rondônia, Amazonas, Pará e Maranhão. As polêmicas hidrelétricas de Belo Monte e Jirau, além de Santo Antônio, Teles Pires e Tapajós, formam essa infraestrutura para fornecimento de energia.
O segundo aspecto é a singeleza da metodologia utilizada pelos jornalistas para compor a reportagem: desviando-se dos debates sobre aspectos ambientais dessas obras, eles foram diretamente em busca da razão pela qual o governo se empenha tanto em aumentar a oferta de energia na Amazônia.
Somando os planos dessas usinas mencionadas, chegou-se à conclusão de que a região será responsável por 45% do aumento da oferta de energia no sistema elétrico nacional, passando de numa participação de 10% para 23% desse potencial realizado até 2020. Junto com essa informação, observe-se no noticiário recente a ocorrência de anúncios de muitas contratações planejadas por grandes empresas que atuam no norte do país, especialmente as mineradoras.
Consta, segundo a Folha, que o governo irá produzir normas para a concessão expressa de licenças ambientais, além de alterar as regras de administração das áreas de preservação permanente. Além disso, acrescenta o jornal, será regulamentada a exploração das jazidas minerais localizadas em reservas indígenas, prevista na Constituição de 1988, mas nunca normatizada.
O futuro está em jogo
A terceira e mais instigante observação a ser feita com relação à reportagem da Folha de S.Paulo se refere exatamente à questão ambiental. A se considerar o contexto econômico e social que envolve esse megaprojeto de desenvolvimento, os atuais debates em torno das mudanças propostas para o Código Florestal vão parecer brincadeira de amadores.
Uma das questões que se encontram na base do desafio de integrar a Amazônia ao projeto econômico do país tem a ver com a necessidade, apresentada pela FAO, organização da ONU para agricultura e alimentação, de incrementar a produção agrícola em pelo menos 50% até o ano 2050: espera-se que o Brasil venha a fornecer 40% dessa nova demanda. Para isso, o Brasil precisa aumentar a produtividade nas terras já em exploração, mas deve evitar a expansão indiscriminada de áreas agriculturáveis.
A falta de regulamentação tem impedido a exploração de grandes reservas de minerais necessários à produção de fertilizantes, e o Brasil é obrigado a importar 92% do potássio e 50% do fosfato que utiliza na agricultura. Além disso, encontram-se em território amazônico algumas das maiores reservas das chamadas terras raras do planeta – óxidos minetais utilizados, por exemplo, nos superímãs que equipam os novos motores elétricos. Por falta de normas, as empresas regulares ficam afastadas e essa riqueza é explorada clandestinamente, com as consequências conhecidas.
Será um grande desafio para a imprensa, no futuro imediato, destrinchar esse projeto de desenvolvimento e explicar aos leitores em que ele se diferencia do plano de ocupação da Amazônia imaginado pelos governos militares durante a ditadura.
É certo que o Brasil não pode rejeitar o dever de produzir alimentos para um planeta cada vez mais voraz, além de ajudar a tirar da miséria pelo menos 500 milhões de seres humanos. Também não pode desperdiçar a oportunidade histórica de se consolidar entre as grandes nações do mundo. No entanto, também é preciso preservar o patrimônio ambiental e os recursos que deverão estar disponíveis para as futuras gerações.
A imprensa terá qualificações para destrinchar esse dilema?