Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A hora de desintoxicar o debate

Um dos mais prestigiados jornalistas políticos do país, Franklin Martins, 58 anos, tem uma dura missão pela frente. Com status de ministro, comandará o órgão federal, ainda em fase de estruturação, que cuidará da publicidade oficial, das relações com a mídia e, como se fosse pouco, da criação de uma rede pública de TV, que tem como assumida inspiração a britânica BBC.

São três tarefas tão complicadas quanto controvertidas. Os recursos da publicidade federal foram a semente que resultou na profunda crise política enfrentada pelo presidente Lula em 2005. No relacionamento com a imprensa, seu governo colecionou erros que variaram desde o amadorismo no trato com jornalistas até a desastrada ameaça de expulsar um correspondente estrangeiro (Larry Rother, do New York Times). E a idéia de uma nova rede estatal de televisão já provoca calafrios e iradas reações de empresas e profissionais da área.

Integrante de uma geração que recorreu à luta armada para enfrentar a ditadura militar, animada pelo exemplo de Che Guevara e o sonho da revolução socialista, Franklin é jornalista desde os 15 anos. Mas foi a partir dos 38 – em 1982, quando abandonou o então clandestino MR-8, após uma militância que incluiu a prisão e o exílio – que ele construiu uma das mais bem-sucedidas carreiras jornalísticas da imprensa brasileira. Foi diretor da TV Globo e de O Globo em Brasília. Passou por várias outras redações importantes (leia aqui o perfil completo dele) e, agora, deixa o posto de comentarista político da TV e Rádio Bandeirantes e de colunista do portal iG para se tornar ministro de Lula, cargo que aceitou semana passada (leia mais).

Em entrevista ao Congresso em Foco, realizada na tarde de sábado (24/3), na sua casa em Brasília, ele manifestou confiança na possibilidade de contribuir para estabelecer uma nova fase no relacionamento entre o governo e a mídia. ‘Nós estamos saindo de uma crise política brutal nestes últimos anos. A relação entre governo e imprensa é crucial para desintoxicar o país’, afirmou.

Apesar de se referir com discrição aos erros já cometidos pelo governo Lula no campo da comunicação, ele enfatizou a necessidade de mudanças: ‘O governo tem que conversar com a imprensa. Falar e ouvir. Tem que dar a entrevista e ouvir as perguntas. Existe um debate político com a imprensa que tem que ser enfrentado o tempo todo e não pode se resumir a determinadas fórmulas’.

O jornalista acrescenta que Lula está determinado ‘a ter uma relação com a imprensa mais profissional, mais democrática e mais leve’. ‘O convite feito a mim é um indício de que o governo está querendo repensar e ter uma relação madura, profissional e respeitosa com a imprensa’, reforça ele.

Mas também cobra nova postura da mídia: ‘Agora, a imprensa revelou também durante esse processo que ela também não queria falar e ouvir. Ele queria apenas falar e falar qualquer coisa que desse na telha. Setores da imprensa acharam que pudessem puxar a sociedade de um lado para o outro, o que também é um equívoco. A função da imprensa não é dizer para onde a sociedade deve ir, a imprensa não é um partido político’.

No seu entender, a crise política, a maneira com que imprensa e oposição se portaram em relação a ela e a reeleição de Lula por ampla maioria, mostrando que o eleitorado não comprou o discurso oposicionista comprado pela mídia, trazem um conjunto muito rico de ensinamentos: ‘A imprensa está tendo de refletir sobre o papel dela, da mesma forma que o governo está tendo de refletir sobre o papel dele, da mesma forma que a oposição, aliás, está tendo de refletir sobre o papel dela. Todo mundo levou um freio de arrumação do eleitor nesse processo, foi muito positivo. Todo mundo está tendo que repensar’.

Também diz que ‘agência de publicidade que faz campanha eleitoral de um candidato e esse candidato vence, não deve ter conta de publicidade depois, no governo’. Ou seja: de modo indireto, ele condena a contratação da agência de Duda Mendonça (o marqueteiro que fez a campanha de 2002) no primeiro governo Lula. Finalmente, concorda que o presidente ‘está devendo’ mais entrevistas coletivas. ‘Mas ele dará’, garante o novo ministro.

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Por que aceitar ser ministro do governo, ficar do outro lado do balcão?

Franklin Martins – Só lembrando, isso é mais comum do que se pensa. Vou citar o nome de alguns dos maiores jornalistas brasileiros que foram para o outro lado do balcão e depois voltaram, e talvez voltaram jornalistas mais completos, mais experientes, com mais visão do conjunto da questão política. O Carlos Castello Branco, por exemplo, foi ser assessor de imprensa do Jânio [Quadros]. Ele já era um grande jornalista, mas depois disso ele se tornou o colunista político mais importante do período da ditadura. O Evandro Carlos de Andrade, que dirigiu a grande transformação do Globo e da TV Globo, também trabalhou na assessoria de imprensa do governo Jânio Quadros. O Carlos Chagas, um grande jornalista até hoje, trabalhou na assessoria de imprensa do presidente Costa e Silva. Isso é normal, que o presidente da República, quando dá uma importância grande à questão da imprensa, convoque profissionais importantes, ou que ele julgue importantes, experientes, para resolver uma relação [entre imprensa e governo] que é sempre complexa na sociedade.

Aceitar não foi uma decisão fácil, foi muito difícil. Estou numa posição muito boa, sou um comentarista e um repórter político muito conceituado, prestigiado juntos às fontes, aos leitores, aos telespectadores, aos ouvintes, faço meu site, ou seja, é uma atividade muito grande. Estou em um momento bom em minha carreira, ganhando muito mais do que eu vou ganhar como ministro. Nós estamos saindo de uma crise política brutal nestes últimos anos, uma crise política selvagem, e isso intoxicou muito o país. Nós estamos passando por um processo de envenenamento político que só não envenenou de vez o país porque o eleitor teve muita sabedoria, teve muita tranqüilidade e exigiu que todos os candidatos fossem baixando um pouco o fogo da fervura. Estamos vivendo hoje um processo de desintoxicação, ele pode ser mais rápido ou mais demorado, mais bem-sucedido ou mais malsucedido, dependendo de como o governo se comporta, de como a imprensa se comporta. A relação entre governo e imprensa se tornou uma questão crucial para se resolver um problema que eu considero gravíssimo, que é desintoxicar o país e fazer com que ele consiga ter um debate político qualificado. Ainda bem que não precisa xingar o outro, desqualificar o outro, dizer que o outro é um safado, um bandido, um ladrão, e achar que não precisa argumentar. É necessário basicamente discutir as grandes questões que interessam ao país, e para isso é necessário respeitar o adversário político. Acho que posso ter um papel importante, ajudando o governo a ter uma postura mais tranqüila nessa relação.

E quanto à imprensa?

F.M. – É preciso colaborar com a imprensa para que ela também tenha uma postura mais tranqüila. A relação de comunicação entre o governo e a sociedade é realizada, basicamente, através da mídia, ou realizada em boa medida através da mídia. Tem que ter crítica? Que se façam críticas. Tem que fazer a denúncia? Que se faça a denúncia. Mas que isso não seja um pretexto para não discutir aquilo que precisa ser discutido, que é como se cresce mais, como se tem uma escola de mais qualidade, como estados, municípios e a União podem ter uma política de segurança eficiente, como se atacam as desigualdades, como se combina crescimento econômico com o respeito ao meio ambiente, como podemos ter uma política externa soberana, altiva e ao mesmo tempo nos inserir num mundo globalizado. Essas são as grandes questões que precisam ser discutidas e não isso que andamos discutindo nos últimos tempos. Tem que investigar o que for investigar, tem que punir quem cometeu alguma coisa, mas não se pode achar que isso substitui o debate político, o debate público qualificado, que é uma condição essencial para o Brasil ser um país que volte a crescer e seja menos injusto.

Na sua avaliação, quais foram os erros do governo na relação com a imprensa?

F.M. – Não quero ficar falando para trás, mas acho que o governo Lula teve uma relação insegura com a imprensa. Comunicação não é só falar: é falar e ouvir. É conversar. Boa parte da comunicação do governo, não toda, mas boa parte, se faz através da mídia, ou seja, pela intermediação da imprensa. O governo tem que conversar com a imprensa. Falar e ouvir. Tem que dar a entrevista e ouvir as perguntas. A imprensa fez uma crítica, ele deve dar uma resposta a essa crítica. A crítica é injusta, ele deve dizer que é injusta. Existe um debate político com a imprensa que tem que ser enfrentado o tempo todo e não pode se resumir a determinadas fórmulas. Agora, a imprensa revelou também durante esse processo que ela também não queria falar e ouvir. Ele queria apenas falar e falar qualquer coisa que desse na telha. Setores da imprensa acharam que pudessem puxar a sociedade de um lado para o outro, o que também é um equívoco. A função da imprensa não é dizer para onde a sociedade deve ir, a imprensa não é um partido político. O que a imprensa tem que fazer é informar da forma mais isenta possível, sabendo que a isenção é algo difícil e muitas vezes não se consegue, mas que deve ser perseguida, e promover a circulação do debate político, do debate de idéias, plural, de alta qualidade, e não apenas concentrado em uma idéia.

E quais setores da imprensa quiseram guiar a sociedade?

F.M. – Não quero ficar citando nomes. Acho que a imprensa está vivendo um processo que ela está tendo de refletir sobre o papel dela, da mesma forma que o governo está tendo de refletir sobre o papel dele, da mesma forma que a oposição, aliás, está tendo de refletir sobre o papel dela. Todo mundo levou um freio de arrumação do eleitor nesse processo, foi muito positivo. Todo mundo está tendo que repensar.

O presidente Lula já demonstrou insatisfação com a comunicação do governo. A escolha do seu nome mostra que ele quer realmente mudar a comunicação?

F.M. – Nas conversas que tive com o presidente, eu senti que ele quer ter uma relação com a imprensa mais profissional, mais democrática e mais leve. Ou seja, aquilo que permite cumprir e é fundamental: falar e ouvir a sociedade. O convite feito a mim é um indício de que o governo está querendo repensar e ter uma relação madura, profissional e respeitosa com a imprensa, ao mesmo tempo que firme. A imprensa erra muito, nós sabemos como é isso. A imprensa tem que fazer uma reflexão, está fazendo, e não é porque o governo quer. Mas porque a sociedade está exigindo. A sociedade não ficou satisfeita com muitos comportamentos de vários órgãos da imprensa durante esse período [o primeiro mandato de Lula].

Na entrevista coletiva dada pelo presidente Lula, após a vitória no segundo turno das eleições do ano passado, ele declarou que a imprensa ia cansar dele, de tantas entrevistas que daria. Mas até agora ele não concedeu nenhuma entrevista coletiva formal.

F.M. – Acho que ele ainda dará a entrevista coletiva. O Lula está falando todo dia, a imprensa não tem do que se queixar. Qualquer jornal ou televisão tem uma fala dele sobre o assunto do dia. Não estou me referindo a um discurso que ele fez, mas uma fala dele, uma pergunta que ele respondeu. Isso resolve boa parte dos problemas. O presidente deve dar entrevista coletiva e dará. Mas entrevista coletiva de um presidente da República não é todo dia.

Mas o senhor não acha que ele está devendo?

F.M. – Acho que ele está devendo, mas ele dará. Ele, como candidato, deu várias entrevistas coletivas. O segundo mandato começou não tem nem três meses. Além disso, o presidente tem dado uma forma também de entrevista coletiva, não é formal, com microfone, bandeira do Brasil atrás etc., mas ele deu entrevistas coletivas, por exemplo, a todos os setoristas do Palácio do Planalto, em um café da manhã. Depois, deu para vários jornalistas, eu inclusive participei, e se perguntou tudo o que se quis, em outro formato de entrevista coletiva. É algo apenas que não está sendo gravado, mas os jornais reproduziram tudo no dia seguinte. Não se pode reclamar que o presidente não está falando. Ele está falando muito. A imprensa sabe disso. Pode aperfeiçoar aqui e ali, e o objetivo é esse, mas acho que o presidente tem falado bastante. Não falado só, mas respondido a perguntas, a dúvidas, a inquietações.

O porta-voz da Presidência não será o senhor. Já se definiu quem será?

F.M. – Ainda não. Isso não é uma coisa fácil. Essa não é a única forma de comunicação da Presidência, há várias outras, mas acho que não tem que ser uma pessoa para ficar dando entrevista para jornalistas, essa não é a função do porta-voz. Mas ainda estou procurando a pessoa, não é uma questão fácil, mas ainda tem tempo, não é uma coisa tão urgente.

O senhor vai comandar ainda a publicidade. No primeiro mandato do presidente Lula, essa foi uma área sob suspeita, com muitas denúncias. Como cuidar de uma área tão espinhosa?

F.M. – Vamos ter claro o seguinte: muitos governos recentes, de uns anos para cá, tiveram problema com a publicidade. São verbas significativas e os critérios para contratação de agências são muito subjetivos. Então isso abre a porta para coisas que não devem continuar existindo. Acho que tem que haver transparência na área de publicidade. Eu, por exemplo, acho que empresa ou agência de publicidade que faz campanha eleitoral de um candidato, e esse candidato vence, não deve ter conta de publicidade depois, no governo.

E isso acontece hoje…

F.M. – Não existe isso. Hoje em dia, no atual governo, o marqueteiro que foi da campanha, o João Santana, não tem conta. Mas isso existiu no último governo. E existiu no governo de Fernando Henrique, anteriormente. Existe no governo de São Paulo, do [José] Serra, existe no governo de Minas, do Aécio [Neves]. Acho que ajudaria ao país se a gente entendesse que marketing político e campanha eleitoral é uma coisa, agência de publicidade é outra. Ação do governo é uma coisa, outra coisa é campanha política. É preciso separar. Eu não vou ficar cuidando pessoalmente de publicidade. Nove décimos das verbas publicitárias de que se fala do governo, não são do governo, e sim de empresas estatais: Banco do Brasil, Petrobras, Caixa Econômica, Correios, empresas que disputam mercado e que fazem publicidade em torno dos produtos que oferecem. Ou seja, isso não tem nada a ver com o governo. O governo tem uma verba, que controla diretamente, que é da Secom [Secretaria de Comunicação da Presidência da República], que é para campanhas de caráter mais institucional, bem menor.

Na minha opinião, isso tem uma dimensão política e outra técnica. A dimensão política é sobre a campanha, como ela deve ser, qual o seu objetivo, que público estamos querendo atingir, quais são as dúvidas que teremos que resolver, quais serviços queremos tornar mais claros para a população. Eu vou participar dessa discussão. A dimensão técnica, como a mídia se distribui, para que órgão, isso é uma discussão basicamente técnica e há parâmetros técnicos para isso. Não existe ninguém ali controlando, cevando alguém e ao mesmo tempo perseguindo. A questão da mídia é técnica. Existe o risco de misturar os canais? Existe. Agora isso não quer dizer que vai acontecer. O embaixador Sérgio Amaral, que foi porta-voz de FHC, controlou durante um período a publicidade, e não aconteceu nada. Isso mostra que é perfeitamente possível ter uma atitude de separar os dois guichês, a publicidade e o relacionamento com a imprensa. A ação administrativa de cada área é inteiramente separada. Nos grandes jornais, nas grandes televisões, funciona assim. Há a redação e a área comercial, todas subordinadas ao mesmo dono. Não misturam os canais, pelo menos nas empresas sérias onde eu trabalhei. Eu quero que se faça crítica, que se mantenha vigilante. Quem achar que houve alguma coisa, que bote a boca no trombone. Mas que seja baseado em fatos. Tudo pode acontecer na vida, mas nem sempre acontece.

O PT produziu um documento em que defende a democratização da mídia no Brasil. O senhor já declarou ser favorável à democratização da informação, mas é contra que o governo fomente órgãos favoráveis a ele. Não teme um choque com o partido do presidente?

F.M. – Se tiver, teve. Aí você vai ter que perguntar ao PT porque essa não é a minha opinião. Sou a favor da democratização da informação, dos meios de comunicação, como parece que o PT é. Mas sou contrário que o governo fomente órgãos favoráveis a ele e tente fazer o contrário também, que é destruir órgãos que não são favoráveis. Não é a tarefa do governo. Quanto mais plural for a informação e a circulação da opinião no Brasil, melhor. Melhora a qualidade da democracia. Sou contra o governo plantar, regar e querer colher formas de comunicação favorável. O governo não tem que ficar fazendo isso, quem faz isso é a sociedade. O governo tem que ter apenas uma questão, que é garantir a liberdade de imprensa. Ponto final.

Na sua opinião, muitos chefes dos principais veículos de comunicação hoje no Brasil são preconceituosos com a figura do presidente, até pela origem dele, e de certa forma isso acaba sendo reproduzido nos jornais, nas revistas e na televisão? Há como combater isso?

F.M. – Se há uma coisa que eu não tenho a pretensão de fazer é eliminar o preconceito da vida. Preconceito é uma coisa muito difícil de superar, de eliminar. Às vezes têm pessoas que têm preconceitos e são obrigadas, pela disputa política, a começar a rever a situação. Quando começamos a campanha eleitoral, boa parte da oposição era preconceituosa com o Bolsa-Família. Chamava de Bolsa-Esmola. O Bolsa-Família seria uma forma de corromper a população. O debate político, durante a campanha, fez com que esses setores, no final, parassem de discriminar o Bolsa-Família. O processo não é rápido, é demorado. Acho que o preconceito com o presidente, no fundo, é um preconceito contra o povo brasileiro. Acho difícil que órgãos de imprensa importantes consigam manter uma relação preconceituosa com o povo brasileiro durante muito tempo.

Sobre a TV pública, o presidente Lula declarou que quer implantar no Brasil um modelo semelhante ao da BBC. O senhor acha possível?

F.M. – Acho que a idéia é essa. É uma discussão inicial ainda no governo, e o fato de essa discussão ter apaixonado tanto, provocado artigos, debates, mostra como o país está maduro para debater essa questão. Isso mostra como o país está precisando de uma TV pública, e não estatal. Uma TV plural, e não partidária. Não tem que ter jornalismo chapa-branca, tem que ter jornalismo isento. A TV pública, em todo o mundo, procura ter um tipo de programação que não está ditada pela ditadura da grande audiência, nem pelo interesse comercial do lucro. Então ela pode trabalhar com ciclos mais longos, pensar o país mais em longo prazo. Um exemplo clássico que todo mundo fala é a BBC. É uma TV que vai ter bom nível, vai ser plural, vai procurar ter dentro da programação os diferentes Brasis. Acho que isso é perfeitamente possível. Daqui a uns 10, 15 anos, vamos olhar para trás, ver que temos uma TV pública e custamos a entender que isso é algo bom para o Brasil.

Um dos seus futuros colegas de governo, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes (PMDB-PR), foi filiado à Arena, partido que deu sustentação ao regime militar, o mesmo que o senhor combateu e o perseguiu. O senhor se sentirá confortável ao trabalhar ao lado do Stephanes, por exemplo?

F.M. – Absolutamente confortável, não tem problema nenhum. O Fernando Henrique também combateu a ditadura e o governo dele era amparado, por exemplo, por Antônio Carlos Magalhães [senador pelo PFL da Bahia], ou por Jorge Bornhausen [presidente nacional do PFL], que foram ministros da ditadura ou a apoiaram. Isso indica que a ditadura ficou para trás, mas nem o FHC, nem o Lula, nem eu precisamos abrir mão de nossas posições, nós combatemos do lado certo. Agora, quem esteve do lado errado, provavelmente teve que fazer um movimento de procurar avançar. Acho o ministro Reinhold Stephanes um democrata, tenho relações boas com ele. Como repórter e comentarista político, conversei diariamente com dezenas de pessoas que apoiaram a ditadura. Eu só tenho dificuldade para conversar com quem foi torturador, da mesma forma que tenho para conversar com quem é fascista, racista. Sujeito que pendurou o outro em um pau-de-arara, eu teria a maior dificuldade. Agora eu não vejo nada disso no governo Lula.

Esperava-se muito que o governo Lula abrisse os documentos referentes ao período do regime militar, o que não aconteceu. Essa era também uma expectativa sua?

F.M. – Pessoalmente, acho que deveria abrir. Mas essa é uma decisão que não é minha. O Brasil deve abrir, por uma razão: o país precisa conhecer a sua história, inclusive para que os crimes e erros que foram cometidos não se repitam. Não para perseguir ninguém, mas para aprender com os erros.

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Colaborador do Congresso em Foco