Durante a campanha eleitoral e logo após sua posse, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama era o político mais pop do planeta. Estrela de programas de televisão, entrevistado pelos grandes jornais do mundo, elogiado em editoriais, inovou o uso da internet na cena política. Mas passado o primeiro ano de governo, a situação se inverte e o político democrata passa a sofrer duras críticas da mídia. Começa o desencanto da opinião pública com o desempenho de Obama. O controverso projeto de reforma do sistema de saúde |
Para debater este tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o economista e ecologista Sérgio Besserman Vianna e o correspondente da revista americana Newsweek, Mac Margolis. Besserman é presidente da Câmara de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura do Rio de Janeiro e professor de Economia da PUC-RJ. Radicado no Brasil há 25 anos, Margolis colaborou com os jornais Washington Post, Los Angeles Times e a revista The Economist. Pela internet, direto de Nova York, participou o jornalista e apresentador de televisão Lucas Mendes. Correspondente internacional da Rede Globo por cinco anos, em 1993 criou o programa Manhattan Connection – para o GNT, da Globosat – do qual é apresentador e editor executivo.
Antes do debate ao vivo, na coluna ‘A mídia na semana’, Dines comentou temas que estiveram em destaque nos últimos dias. O assassinato do cartunista Glauco, da Folha de S.Paulo, foi o primeiro tema da seção. Em seguida, Dines avaliou a reforma visual promovida pelo jornal O Estado de S.Paulo e, por fim, comentou o comportamento da imprensa em relação à mudança dos critérios de distribuição dos royalties do petróleo.
De herói a vilão
No editorial que precede o debate no estúdio, Dines disse que Barack Obama passou a ser o ‘detestadinho’ dos nossos jornais e revistas. ‘O que é que Obama fez de errado? Nossa mídia declarou guerra ao primeiro presidente negro dos EUA porque acha que ele é vermelho, socialista. Porque interveio no mercado financeiro, na indústria automobilística e optou por um programa de saúde que não agradou à indústria dos planos de saúde.’
A reportagem exibida no início do programa mostrou a opinião do cientista social Renato Lessa. As reformas do sistema de saúde propostas por Obama, na opinião de Lessa, são absolutamente moderadas. ‘É mercado puro, com algum tipo de indução do Estado. Isto é suficiente para a direita americana designar Obama como socialista’, afirmou. O governo trabalha para criar um serviço de saúde que possibilite a cerca de 30 milhões de americanos comprar um seguro-saúde. Para Lessa, o objetivo não é monopolizar, mas sim estimular a concorrência entre as empresas privadas. Lessa destacou que Obama está lidando com uma das questões mais difíceis da agenda americana, que é a proteção social.
Comparado com os sistemas de bem-estar social de países como França e Inglaterra, Lessa considera que o projeto de Obama é ‘mínimo’. O cientista social destacou que na época da campanha eleitoral o presidente americano não teve unanimidade nos meios de comunicação. Parte da mídia mais liberal, progressista, esteve com Obama, como os diários Washington Post, New York Times e Boston Globe. A imprensa centrista, apolítica, acabou ‘indo na onda dele’. Já a ‘direita absolutamente raivosa’, como a Fox News, ficou contra Obama utilizando, inclusive, argumentos de cunho racista.
Encantamento em baixa
No debate ao vivo, Dines pediu para Besserman avaliar as diferenças entre a cobertura da mídia americana e a brasileira sobre os sistemas de saúde dos dois países. Para o economista, é preciso levar em consideração que as duas sociedades têm histórias e contextos culturais e políticos distintos. A mídia brasileira cobra o bom funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e exige que o governo invista no setor. Já nos Estados Unidos, parte da mídia trata a modesta proposta de Obama em termos de participação do Estado como se isso representasse uma ‘revolução socialista’.
Outro fator que levou à mudança da postura da mídia em relação ao presidente democrata, na avaliação de Besserman, é que chegou ‘o momento da verdade’ para Obama. ‘Não se pode ser profeta e rei ao mesmo tempo, já dizia o Antigo Testamento’, lembrou. Passada a primeira fase do governo, o embate político terá que ser travado visando resultados concretos e buscando vitórias no Congresso. É neste momento de indefinição que parte da mídia – ‘mais centrista’ – se aproveita para criticar o presidente e ceder a um discurso extremista, na opinião do economista.
Dines perguntou como Mac Margolis avalia a ‘onda que surgiu de que Barack Obama é vermelho e acaba com as liberdades’. O correspondente da Newsweek afirmou não estar totalmente surpreso com o quadro de hostilidades de parte da mídia americana em relação ao presidente democrata. Margolis relembrou que durante a campanha eleitoral Obama foi a ‘sensação internacional’, mas o encantamento começou a diminuir nos primeiros meses após a posse, quando foi ‘poluído pelo trabalho de governar’.
O perigo do ego inflado
‘Quem sobe pela mídia também sofre pela mídia’, enfatizou Margolis, para quem outro fator que desestabilizou o governo Obama foi a exagerada ‘autoconfiança’ do político. O presidente acreditava demais no poder da sua biografia, tão alardeada pela mídia. Quando o presidente começa a ‘sujar a mão’ com a tarefa de governar, a situação ‘começa a complicar’ e a popularidade despencou. Margolis destacou que a ‘mídia raivosa da direita lidera a banda’ contra Obama, mas toda a sociedade está inquieta com os rumos do debate sobre o sistema de saúde.
Barack Obama prega que o importante não é o tamanho do Estado. Na opinião de Sérgio Besserman, ‘talvez a mídia não tenha acompanhado’ este ponto de vista do presidente. Para Obama, o mais relevante é onde o Estado irá intervir, em que setores a presença do Estado é necessária. É importante debater onde, para que e com que grau de transparência os negócios do Estado devem ser aplicados.
O deslumbramento dos meios de comunicação com Barack Obama foi quase universal, na avaliação de Lucas Mendes. Apenas alguns países muçulmanos não compartilharam do entusiasmo. E este foi um dos problemas do governo Obama, o clima de grande expectativa. Todos esperavam transformações rápidas que não eram possíveis no curto prazo.
À espera do milagre
Havia a crença de que Obama operaria ‘um milagre’ em um país em estado de recessão, que beirava a depressão, e por isso a decepção foi grande. Neste primeiro ano de governo, o jornalista avalia que Obama não foi oportunista. Não buscou ganhos de curto prazo e não negociou com o Congresso ‘onde todo dia é dia de campanha’.
Nesta visão ‘clara e limpa’ da política, Obama perdeu importantes aliados. O pacote de estímulos evitou a recessão, há vários indicadores sociais que melhoraram durante a gestão do democrata, mas parte da população perdeu o entusiasmo por ele. Lucas Mendes disse que apesar desse enfraquecimento, uma pesquisa publicada na noite de terça-feira (16/3) ‘dá munição a Obama’ na luta pela aprovação da reforma da saúde e coloca o Congresso em péssima situação.
O estudo aponta que o país está dividido: 45% dos americanos aprovam a forma como Obama conduz as reformas e o mesmo percentual, desaprova. Mas o Congresso tem um apoio ainda menor: 17%. Metade dos americanos ‘gostaria de ver todo o Congresso deposto’. A mídia também foi avaliada e a aprovação ficou abaixo da do Congresso. ‘Não estamos bem na foto’, brincou.
Mac Margolis afirmou que Obama já está consciente ‘do tamanho da briga’ com o Congresso herdada do governo anterior – e comprada com suas próprias ações na luta pela aprovação das reformas no campo da saúde. Margolis disse ainda que a mídia americana está extremamente crítica com a gestão do presidente no campo doméstico, mas, surpreendentemente, elogia a atuação do democrata na cena internacional. Justamente onde o presidente está colocando em prática ‘uma política de Estado forte’ que segue a linha do tão criticado governo Bush.
Para Sérgio Besserman, esta é a ‘hora da verdade’ para Obama. Para enfrentar a delicada fase de transição, o presidente terá que reconstruir a narrativa usada durante a campanha. ‘Ficou perdida em um certo nevoeiro’, avaliou. Obama deve concentrar-se nas prioridades e partir para o embate político. Margolis sublinhou que não é apenas a direita, encabeçada pela Fox News e por radialistas conservadores, que tece críticas a Obama. Engrossam a lista dos descontentes ‘democratas moderados independentes’ que ajudaram Barack Obama a ganhar a eleição. Para o jornalista, o presidente está perdendo apoios que conseguiu costurar.
Obama e a imprensa
Lucas Mendes ressaltou que Barack Obama é um ‘devorador de jornais’, acompanha diariamente o trabalho da imprensa. Entre os veículos lidos pelo presidente estão Washington Post, New York Times e Newsweek. Lucas Mendes contou que Boston Globe, Los Angeles Times e Christian Science Monitor não entram na lista de Obama.
O sucesso da Fox News é extraordinário, na opinião de Lucas Mendes. Chama a atenção do jornalista o fato de o grupo ter conseguido ‘controlar o debate’. Não há concorrentes ao canal, embora a audiência não seja alta – gira em torno de 3 milhões de assinantes. Margolis comentou que a empresa é uma da poucas lucrativas nos Estados Unidos. Trouxe um estilo novo à televisão, parecido com os tablóides britânicos. Para Margolis, a mídia americana está em luta contra a decadência.
Sobre a dificuldade de manter a popularidade e conseguir governar, Besserman comentou que ‘é possível ser rei e querido’ ao mesmo tempo. ‘Para isso, é preciso vencer Golias e contar bem as histórias, como Davi fazia’, disse. Obama precisa reconstruir a narrativa sobre ‘a que veio o seu governo’. Margolis complementou que para reverter a impopularidade é preciso contratar um bom publicitário.
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Um ídolo caído?
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 537, no ar em 16/3/2010
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Barack Obama já era o queridinho da mídia brasileira muito antes de ser indicado como candidato à Casa Branca. Um ano depois da posse, Obama passou a ser o ‘detestadinho’ dos nossos jornais e revistas.
O que é que Obama fez de errado – proclamou que Lula é ‘o cara’? Nada disso, nossa mídia declarou guerra ao primeiro presidente negro dos EUA porque acha que ele é vermelho, socialista. Porque interveio no mercado financeiro, na indústria automobilística, e optou por um programa de saúde que não agradou à indústria dos planos de saúde. Obama é considerado aqui como protótipo do Estado forte e isto virou tabu.
Nossa mídia tem urticária quando ouve falar em regulação: ganha concessões para rádio e TV do governo, mas detesta ser cobrada e fiscalizada. Além disso, está fazendo uma enorme confusão entre Estado forte e governo forte. Todos os estados procuram reforçar-se, é legítimo. O perigo está nos governos fortes, autoritários e onipotentes.
É legítimo que a mídia queira introduzir no debate eleitoral o tema da presença do Estado na economia. Não fica bem inventar pretextos tão distantes.
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A mídia na semana
** Uma tragédia brasileira: famoso cartunista, quadrinista, amado por uma legião de leitores e também líder de uma seita religiosa, é morto, em São Paulo, com quatro tiros disparados por um jovem psicopata, de classe média, frequentador da sua igreja. Não contente matou com outros quatro tiros o filho do cartunista e tentou refugiar-se no Paraguai. Isso pode acontecer em qualquer país do mundo, Deus não tem culpa que usem o seu nome como pretexto para violências, mas convém pensar na fabricação de religiões sem compromissos com o bem.
** Os jornais vão acabar? Serão trocados pela internet? O Estadão pensa o contrário. Neste fim de semana abandonou a cantilena fúnebre que as empresas de mídia repetem há mais de uma década e ofereceu aos leitores não apenas uma reforma visual, mas também um avanço conceitual: há mais espaço, mais leitura, mais conteúdo, mais cultura e, sobretudo, mais jornal. A Folha está preparando a sua resposta. Isso é ótimo. O leitor quer jornais que acreditem em jornal.
** O Rio de Janeiro tem o direito de espernear contra a mudança na distribuição de royalties do pré-sal. O governador Sérgio Cabral tem o direito de chorar em defesa dos seus concidadãos. Mas o Comitê Olímpico Brasileiro não tem o direito de afirmar que sem os royalties do pré-sal não haverá Olimpíada no Rio: a exploração da camada do pré-sal só deve render royalties em 2020 e a Olimpíada está marcada para 2016.