Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A hora é agora

Oportuna, proveitosa e salutar é a discussão sobre a autorregulação da imprensa recentemente iniciada por Eugênio Bucci, a partir de uma proposta de Sidnei Basile, vice-presidente de Relações Institucionais da Editora Abril (ver ‘Se a imprensa quiser melhorar‘). A campanha eleitoral prestes a ser inaugurada formalmente será a primeira beneficiária desta discussão, mesmo que os mecanismos autorreguladores ainda não estejam formalmente implantados ou mesmo definidos. O importante é instalar na agenda nacional uma noção de urgência com as opções de regulação e autorregulação suficientemente demarcadas.


Em primeiro lugar é preciso estabelecer algumas premissas. Semânticas, inclusive. A primeira delas: a autorregulamentação deve ser aplicada à imprensa, à mídia impressa, já que esta não pode ser regulada por nenhum poder institucionalizado e dá claros sinais de que necessita urgentemente de algum tipo revisão/reavaliação.


A mídia eletrônica pertence a outra esfera, depende de concessão pública, está parcialmente regulada pela Constituição embora até hoje, passados 22 anos da sua promulgação, grande parte dos preceitos relativos à Comunicação Social sejam ficcionais.


Órgão simbólico


Outra premissa que conviria esclarecer: quando se fala em autorregulamentação da imprensa no Brasil menciona-se como paradigma automático o Conar – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária.


Com o respeito que merecem os seus fundadores, mentores e executivos, o Conar está longe de representar o modelo ideal de autorregulação. Em primeiro lugar porque atende ao mercado publicitário, e este é apenas um segmento da sociedade. Ao contrário da imprensa, a publicidade é uma atividade majoritariamente comercial servida pelas artes e pelas letras, mas sem o peso institucional, político, cultural e social da veiculação jornalística.


Em segundo lugar, é imperioso considerar que a autorregulamentação da publicidade envolve apenas três atores: anunciantes, agências de publicidade (praticamente uníssonos) e veículos de comunicação, teoricamente representando a sociedade (o consumidor pode participar individualmente).


Para ser minimamente representativo e democrático, o processo de autorregulamentação publicitária deveria envolver profissionais de publicidade independentes, entidades genuínas de defesa do consumidor e contar com a participação das agências reguladoras do Estado (conforme o produto ou serviço em pauta).


Apesar das boas intenções, o Conar ainda não conseguiu apresentar à sociedade brasileira um saldo substancial de ações. É um órgão simbólico, insuficiente em matéria de resultados. Não precisaria ser combativo, mas já deveria estar embutido no inconsciente do cidadão quando sentisse necessidade de ajuda na defesa dos seus interesses. Está longe disso.


Estímulo à diversificação


Diante dos impasses, ameaças e desafios que neste momento confrontam a imprensa nos quatro cantos do mundo, um futuro Conselho de Autorregulamentação Jornalística (na Inglaterra, Press Complaints Comission – Comissão de Queixas contra a Imprensa) exigiria uma instituição mais visível e muito mais ágil, o que pressupõe não apenas uma estruturação diferenciada, mas também um conceito de representação mais universal e generoso.


A empresa jornalística se comunica com a sociedade através de um profissional qualificado chamado jornalista, portanto ela não pode pretender uma exclusividade como protagonista do sistema de autorregulação. Além disso, diferentemente do mercado publicitário, o mercado jornalístico vem desenvolvendo há mais de 100 anos uma rede de radares, postos de observação e, sobretudo, uma consciência crítica que com a ajuda da internet tornou-se extremamente veloz e efetiva. A autorregulação da imprensa – ou, se quiserem, o contra-poder ao poder da imprensa – não poderia dispensar esta participação comunitária, como aliás profetizou Walter Lippmann há 90 anos (ver ‘Walter Lippman oferece o bolo de aniversário‘).


A discussão sobre a autorregulação não resolverá todos os problemas, mas servirá para enunciá-los. Pode revitalizar nossa imprensa, estimular sua diversificação, promover o seu crescimento e afastar de vez o fantasma do haraquiri coletivo em boa hora nomeado pela nova ouvidora da Folha de S.Paulo, Suzana Singer.


 


Leia também


Se a imprensa quiser melhorar – Eugênio Bucci


A proposta de autorregulamentação – Luciano Martins Costa