O que você sabe sobre o Iraque, o Afeganistão ou a Costa Rica? Provavelmente, como a maioria dos habitantes do planeta, tudo ou ‘quase’ tudo que você conhece sobre esses países você viu na TV e nos telejornais graças ao trabalho dos correspondentes internacionais. A maioria das pessoas não se interessa ou viaja para países periféricos, como Brasil, Iraque, Afeganistão ou Costa Rica. Elas costumam se interessar somente por seus próprios países. A TV costuma ser a sua única janela para o mundo.
Ao contrário do que gostariam muitos governantes que gastam fortunas em campanhas para garantir a difusão de notícias consideradas ‘positivas’ sobre o nosso país, os jornalistas internacionais preferem divulgar as notícias ruins, as desgraças, as pautas consideradas negativas. E assim, são responsáveis pela construção da imagem dos países.
O problema é que essas ‘imagens’ não são necessariamente ‘verdades’. As imagens nacionais não passam de… imagens. Elas pertencem a um discurso mítico, polissêmico e incontrolável. A imagem do Brasil, assim como a imagem de qualquer outro país, pertence ao universo do imaginário. Pode ser uma construção acidental ou intencional de viajantes, escritores ou jornalistas. Mas também poder ser o produto da nossa auto-imagem. Os correspondentes e editores internacionais replicam e adicionam valor às nossas próprias visões do Brasil. Eles constroem uma imagem do Brasil que nós tentamos esconder. Não gostamos de ver nossas próprias mazelas na mídia internacional. E a culpa pela divulgação dessas más notícias é sempre do mensageiro, do correspondente estrangeiro.
O ‘quase’ monopólio de notícias internacionais
Esta semana, o Brasil ganhou espaço no disputadíssimo cenário jornalístico internacional. Temos que agradecer às terríveis cenas de violência explícita no Rio de Janeiro. A Cidade Maravilhosa, como se costuma dizer por aqui, a futura sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas 2016, nos garantiu visibilidade externa no noticiário internacional. Infelizmente, esta visibilidade não pode ser caracterizada como positiva.
Seria importante distinguir o que é uma notícia positiva ou negativa de um país tão diverso e complexo como o Brasil. O que seria uma notícia verdadeira ou mentirosa sobre determinado país? Afinal, as imagens a que assistimos em nossa TV e que tanto nos apavoram e nos entristecem são as mesmas que milhões de estrangeiros verão sobre o Brasil em seus telejornais. Provavelmente, serão as únicas informações que receberão sobre aquele enorme e desconhecido país da América Latina chamado Brasil. Como dizia o editor de agência de noticias internacionais para quem trabalhei durante muitos anos, ou seja, para quem oferecia matérias sobre o nosso país diariamente, ‘No Brasil, se não é violência, é queimada ou enchente’.
Éramos responsáveis pela construção, ou melhor, pela ‘desconstrução’ da imagem do Brasil no exterior. Meu editor nunca tinha vindo ao nosso país e sabia muito pouco sobre nossa cultura. Mas decidia tudo que milhões de telespectadores de todo o mundo assistiriam sobre os acontecimentos no Brasil.
A TV ainda é a principal fonte de informações para a maioria das pessoas. Até hoje, só existem duas agências internacionais de notícias para TV, a Associated Press e a Thompson Reuters. Elas possuem o ‘quase’ monopólio de notícias internacionais para os telejornais e são muito, muito parecidas.
Imagens e miragens
Há muitos anos, trabalhei e ainda pesquiso o poder dos correspondentes e das agências internacionais para informar e desinformar milhões de telespectadores de todo o mundo. Essas grandes empresas fornecem a quase totalidade de notícias sobre o que consideram mais importante sobre quase todos os países. Elas seriam as verdadeiras responsáveis pela construção das imagens nacionais.
Países que tendem a conferir uma enorme e exagerada importância à sua própria imagem. Não à sua imagem interna, aquela construída para consumo nacional. Mas, à sua imagem externa, ou seja, aquilo que os outros percebem sobre a nossa realidade. Os jornalistas criam, manipulam e muitas vezes ‘denigrem’ imagens ou estereótipos nacionais.
Emissoras de TV estrangeiras transmitiram, ao vivo, informações sobre o combate ao tráfico no Rio de Janeiro. Afinal, os veículos internacionais estão cada vez mais preocupados com os eventos que acontecerão na cidade: a Copa do Mundo e a Olimpíada.
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CNN – ‘Paz temporária retorna a Rio de Janeiro infestado por violência’**
BBC – ‘Soldados brasileiros enviados a favela do Rio’**
The Washington Post (EUA) – ‘Soldados e policiais do Rio se preparam para invadir fortaleza de criminosos’**
El País (Espanha) – ‘Rio se rebela contra o ‘narco’’**
Independent (Reino Unido) – ‘Membros de gangues de drogas combatem polícia no Rio’**
Clarín (Argentina) – ‘Tanques entram em uma favela do Rio para ajudar na luta contra os grupos do narcotráfico’**
La Tercera (Chile) – ‘A polícia entra na favela mais perigosa’**
Guardian (Reino Unido) – ‘Confronto armado no Rio de Janeiro tem bebê e fotógrafo entre as vítimas’Essas manchetes comprovam que o terror que tomou conta das ruas do Rio teve grande repercussão internacional. O mundo todo mostrou a onda de violência fluminense e os correspondentes, que estão em grande parte baseados no Rio de Janeiro, tiveram muito trabalho. Eles se empenharam e se arriscaram para noticiar a guerra do Rio.
Os jornalistas não criam a nossa imagem lá fora. Eles simplesmente retratam um cotidiano repleto de fatos inacreditáveis em suas matérias. A nossa realidade há muito tempo parece ficção. Em certo sentido, os brasileiros costumam ser cúmplices dos estrangeiros na criação de uma auto-imagem pouco elogiosa. Ao contrário da grande maioria dos países, adoramos falar mal de nós mesmos. Mas jamais admitimos que os ‘outros’ – os tais estrangeiros – nos critiquem. Queremos ter o monopólio, almejamos o controle absoluto do que os outros pensam de nós.
Positiva ou negativa, verdadeira ou falsa, talvez essa imagem não seja muito diferente daquela que temos de nós mesmos e que vemos em nossa TV. Afinal, para tristeza ou orgulho de muitos e ao contrário do que vemos nos nossos noticiários, o Rio de Janeiro não é o Iraque, o Afeganistão ou a Costa Rica. Mas também não é nenhum paraíso perfeito. O equilíbrio entre as boas e as más notícias seria o ideal, mas o mundo é um lugar injusto.
E as imagens… não passam de miragens!
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Jornalista