Galvanizada pelas pesquisas, empurrada pelos debates televisivos, sedenta por novos escândalos e incapaz de situar-se na grande barafunda institucional, nossa mídia está devendo à sociedade uma cobrança rigorosa ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral sobre o destino dos votos dados aos candidatos sem ficha limpa. Se preferirem o prejulgamento, os fichas sujas.
Estão sob embargo judicial cerca de 250 candidaturas e mais de oito milhões de eleitores. Houve promessas solenes de que tudo seria resolvido antes de 31 de outubro. Até agora nada aconteceu: o processo eleitoral encerra-se em poucos dias e ninguém parece estar incomodado com a real possibilidade de assistirmos à proclamação do novo presidente da República numa eleição ainda sub judice. A questão não é protocolar: um pleito ainda não julgado, duvidoso, traz embutida uma sensação de desconfiança, desconforto e – por que não? – suspeição.
Situações-limite
O populismo anda à espreita, alguns dos seus expoentes estão no banco dos réus. Se prejudicados, ganharão uma coleção de bandeiras explosivas. Se beneficiados, garantem a impunidade e a perenidade da corrupção política.
Mesmo que os votos com destino incerto não se refiram à eleição para a chefia do Estado, esta incerteza traz consigo uma forte dose de intranquilidade. Um resultado apertado no topo do processo eleitoral pode potencializar insatisfações capazes de contaminar o processo inteiro.
Em meio aos rancores e ressentimentos produzidos numa campanha eleitoral excepcionalmente feroz, a incerteza jurídica relativa à Lei da Ficha Limpa acrescenta-se como fator de acirramento e exaltações. A percepção infelizmente generalizada de que a cúpula do Judiciário receia se pronunciar em situações-limite, graves, compromete ainda mais a imagem da República e a envolve no clima de desleixo e constrangimentos num momento em que deveria irradiar garbo, solidez e respeitabilidade.
Mundo em transformação
Quem tem autoridade para denunciar o descaso, o desmazelo e cobrar pressa? O chefe do Executivo abdicou do papel de magistrado e está praticando o seu esporte preferido – subir nos palanques. O Legislativo está em recesso e acéfalo: o presidente da Câmara dos Deputados é candidato a vice de uma coligação e o do Senado não tem credibilidade para fazer qualquer apelo cívico.
Resta a imprensa. Fragilizada por uma devastadora crise de identidade, pulverizada em centenas de recantos opinativos sem qualquer expressão, visivelmente desnorteada diante de um mundo que se transforma em todas as direções, o Quarto Poder corre atrás, desorientado, de língua de fora, sem agenda e sem projetos, incapaz até de se mirar na passada importância.