As acusações de que o governo federal estaria antecipando a campanha eleitoral acirraram-se na semana passada. O assunto foi tema destacado de matérias na imprensa e na mídia e o principal destaque do ‘resumão’ semanal do programa Fatos e Versões, da Globo News.
‘Os três partidos de oposição – PSDB, DEM e PPS – entraram nesta terça-feira (26/01) com mais uma representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por suposta propaganda antecipada. Segundo nota divulgada pelo PPS, a oposição cita uma fala de Lula na última sexta-feira (23/01), quando classificou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como `palanqueira´.
Segundo o presidente do PPS, ex-senador [sic] Roberto Freire, as declarações de Lula são a prova do `desdém com que ele trata o ordenamento jurídico e as instituições do Brasil´. `Vamos ao TSE quantas vezes forem necessárias para garantir o cumprimento da lei´, disse Freire. Segundo o presidente do partido, Dilma tem feito, `de forma atrevida´, campanha eleitoral ilegal pelo país’ – noticia o portal Terra (aqui, a matéria na íntegra).
Uma excessiva tolerância
Antes de analisarmos as implicações do caso, examinemos, brevemente, o que a notícia nos diz em relação ao jornalismo brasileiro. Não obstante dar voz a um líder de partido de oposição para que este faça graves denúncias contra um cidadão (no caso, o presidente da República), descumpre a regra básica de ouvir o outro lado: ao deixar de repercutir a acusação junto a um porta-voz de Lula, ou ao menos ao líder do partido situacionista, a matéria do portal Terra priva o acusado do direito à defesa no mesmo veículo noticioso em que é acusado. Contraria, portanto, de maneira frontal, a ética jornalística.
Além da redação rebarbativa de praxe num jornalismo feito por estagiários, toma o atual deputado federal (PPS/PE) por ‘ex-senador’ – erro que denota não apena preguiça de fazer uma pesquisa básica, mas falta de conhecimentos básicos para atuar na seção de política: afinal, Freire é figura das mais conhecidas, notadamente pela amplitude do arco de sua trajetória ideológica, de líder esquerdista a membro da tropa de choque serrista. Mesmo um estagiário de portal de notícias teria obrigação de conhecê-lo.
A matéria não deixa, porém, de oferecer um certo aspecto humorístico: afinal, é típico do jornalismo brasileiro em seu deplorável estágio atual achar que um ‘ex-senador’ lidera um partido de oposição e dar-lhe tamanho destaque. Qual o critério para conceder tal espaço a um suposto ex-senador? Em nome de que interesses? A mando de quem?
O jornalismo da internet brasileira, embora já maior de idade, tem sido, muitas vezes, enfocado com uma excessiva tolerância que não condiz com o papel cada vez mais abrangente que os portais e sites desempenham como meio de informação em um momento de intensa inclusão digital. Está mais do que na hora de deixar essa leniência de lado e cobrar-lhes uma atuação condizente com a responsabilidade que a missão de informar desempenha em uma democracia.
A falta de um bom revisor
Mas, como seria de se esperar, os problemas da cobertura relativa ao acirramento das acusações de campanha eleitoral antecipada não se limitam ao meio digital. Cinco dias antes da matéria do portal Terra, o jornal O Globo publicara artigo relativo a outra representação protocolada contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil Dilma Rousseff. A acusação, desta feita, dizia respeito a suposta campanha antecipada dos dois políticos por ocasião da viagem que fizeram para, alegadamente, vistoriar as obras de transposição do rio São Francisco.
Não obstante produzida por uma empresa jornalística tradicional e milionária, a matéria repete alguns dos erros apontados no texto do portal Terra, notadamente o mais eticamente grave deles, o de deixar de ouvir o outro lado. Espaço e material humano para fazê-lo não falta, mas o texto de 12 parágrafos, assinado por três jornalistas profissionais, é ocupado apenas com trechos de depoimentos do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, e do ministro do STF Gilmar Mendes, cujas supostas declarações – que soam a pré-julgamento – incluiriam declaração segundo a qual ‘a viagem de ambos representavam [sic] antecipação de campanha’. Ah, a falta que faz um bom revisor…
Viagens e poses propagandísticas
Se as matérias acima não fornecem uma visão mais distanciada e equilibrada que dê voz ao outro lado, parece-me necessário ao menos procurar prover alguma contextualização nesse sentido: evidentemente, é legítimo que, existindo uma lei que coíbe propaganda eleitoral antecipada, os tribunais eleitorais sejam acionados por quaisquer das forças políticas que se sintam prejudicadas. Que tal lei seja obsoleta, incapaz de acompanhar os efeitos da evolução tecnológica da comunicação e, além disso, ineficaz – pois, à revelia dela, tudo o que Dilma, Serra e Marina Silva fizerem de agora até a eleição terá conotação eleitoral –, são dados a serem levados em conta, mas que, de um ponto de vista estritamente legalista, têm pouca ou nenhuma relevância.
Seria, porém, no mínimo recomendável que aquelas forças políticas que, tendo suas denúncias amplificadas por generosa e exclusiva repercussão midiática, que acusam e querem se valer de tal lei, não incorram nas mesmas práticas que acusam os adversários de praticar. Não parece ser o caso.
Afinal, a agenda do outro candidato com chances nas eleições eleitorais, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), tem, há tempos, estado lotada por viagens para os mais variados destinos, mas visando a um único objetivo. Senão, vejamos: enquanto o estado que deveria governar apenas começava a submergir ante as primeiras chuvas de verão, o tucano, sem ser chefe de Estado ou ecologista renomado, voou até Copenhague para participar do COP15 ladeado por Marina Silva e posar, para fins propagandísticos, ao lado de Arnold Exterminador do Futuro Schwarzenegger.
Ataques virulentos e denúncias vazias
Ao voltar, ao invés de permanecer em São Paulo ajudando seu pupilo Kassab a administrar o maior caos urbano da história da cidade e adotando uma postura pró-ativa em relação à tragédia de São Luiz do Paraitinga e às demais cidades que sofrem com as chuvas – que fez milhares de pessoas perderem tudo e causou 69 mortes até o momento –, Serra, além de participar, sorridente, de programas de variedades (como o de Luciana Gimenez), tem intensificado o ritmo de viagens por estados do Brasil, como tem sido fartamente noticiado pela imprensa. Isso não é campanha antecipada?
Na própria mídia, o nome do governador paulista tem aparecido com menos frequência associado a medidas políticas efetivas no âmbito do estado que deveria governar do que a eventos auto-promocionais. E, para completar, comerciais da Sabesp – a companhia paulista de águas – têm sido, desde meados do ano passado, veiculados de forma recorrente nos mais recônditos cantos do país. Responda, por favor, caro(a) leitor(a): se tudo isso não é campanha eleitoral antecipada, é o quê?
Esse caso é altamente ilustrativo do círculo vicioso das estratégias eleitorais do grupo oposicionista, que há tempos têm se limitado a ataques virulentos e a denúncias vazias visando ao escândalo – como o caso Lina-Dilma ou as acusações de César Benjamim.
A reprodução fiel dos fatos e a equidistância
Assim, o espaço de debates públicos que poderia ser utilizado de maneira propositiva pela oposição é ocupado apenas por um confronto político rasteiro. A virtual ausência de propostas efetivas para o a país, de um programa de ações com consistência técnico-operacional e coerência político-ideológica, além de não estar dando resultados – como têm demonstrado as pesquisas – está levando as forças de oposição ao lulopetismo a um beco sem saída – o que é sempre perigoso, pois acirra tentações autoritárias.
Dois fatores têm contribuído para o agravamento do problema: a polarização PT vs. PSDB e, de forma ainda mais nociva, a opção do presidenciável peessedebista de se aliar à mídia corporativa, incluindo o que de pior esta tem a oferecer. Trata-se de uma aliança sobre a qual Serra não tem controle e que, em caso de vitória deste na eleição presidencial vindoura, cobrará um alto preço; e que, na eventualidade de sua derrota, legará ao país uma ‘grande imprensa’ viciada em funcionar como veículo para as ambições de poder de um determinado grupo político e desacostumada ao jornalismo crítico, plural, que ao menos busca a inatingível reprodução fiel dos fatos e a manutenção da equidistância entre as forças políticas em conflito.
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Jornalista, cineasta e doutorando em Comunicação pela UFF; seu blog